25 de fev. de 2010

Lúcifer _ O Portador da Luz.


Conforme anuncia a Esfinge, quem OUSAR poderá desvelar o Mistério.
Daremos aqui apenas algumas indicações, todavia não faremos qualquer relato comprometedor pois resta-nos CALAR. Cada um, por si mesmo, terá que QUERER e depois SABER...Querer, Ousar, Saber e Calar são os verbos-guias da Esfinge Humana.


Todo real Processo de Iniciação tem muita semelhança com o Processo de Individuação apresentado pela Psicologia Profunda de Carl Gustav Jung. Ambos têm por fundamento os postulados básicos da Alquimia Transcendental, eis que buscam a UNIDADE DE CONSCIÊNCIA ou CONSCIÊNCIA CÓSMICA, simbolicamente representada na Alquimia como o encontro da Pedra Filosofal ou do Ouro dos Filósofos. Trata-se da Psicologia do Inconsciente [Jung] e da Iniciação da Consciências aos seus níveis mais profundos.

Ora, ao ingressarmos nesses recessos de subconsciência, verificamos que TUDO É TREVAS, ANTES DE SURGIR A LUZ. Trevas, Caos, Abismo, Vazio, etc., são denominações alquímicas e iniciáticas a indicar o estado de consciência primordial do Ser.

Sócrates assim se expressou: ”Cada homem é um Caos, mas há em cada ser humano um deus, o qual, se tu quiseres, ordenará em Cosmo e em Felicidade o teu Caos doloroso”.

Colocar todo o conhecimento numa ORDEM COMPREENSÍVEL é o objetivo da Filosofia “latu sensu”, notadamente da Filosofia Mística e da Psicologia Profunda. Ordenar em Cosmo e em Felicidade o Caos da consciência humana. Agora, mais do que nunca, o homem moderno vive nesse ‘caos doloroso, onde ainda predominam os processos primários, onde não há uma síntese de idéias e onde os afetos são passíveis de deslocamento. Onde o princípio soberano que governa os processos psíquicos é o da obtenção do prazer, tudo isto devido ao fato de que, para a mente objetiva, as manifestações existenciais, são descontínuas e quantificadas. Saímos da Unidade Paradisíaca e caímos na dialética serpentina da dualidade.

Perdemos os referenciais! Então, porque queremos [como sugeria Sócrates], ingressarmos numa Ordem Mística, somos conduzidos por um Guia e assim penetramos nesse labirinto trevoso, o Mar de Trevas com seus abismos de Inconsciência. Temos um referencial iniciático e podemos considerar o nosso lugar no Grande Esquema Cósmico.

A Dra. Jacob, discípula junguiana, escreveu: “ Jung desejava ampliar o RAIO DE CONSCIÊNCIA, estendendo seu Feixe de Luz sobre o Mar de Trevas, completando assim a Obra da Criação”, a mesma tarefa cometida aos Buscadores da Luz, conforme preconiza os ensinamentos: Continuar a Obra da Criação.

Para executar esses Trabalhos de Hércules, Lúcifer porta o facho de Luz, queimando como um Fogo do Crisol.E o Mestre convoca o(a) Portador(a) do Archote, o Anjo da Luz ou Lúcifer. Este, com seu facho ilumina as trevas do abismo da subconsciência [abismo do Mar Hermético]. E a Criação continua!

Ilumina e regenera as trevas do Inconsciente, tornando-o consciente [todo o Processo de Iniciação e de Individuação é um programa de Regeneração].

A Luz SE FAZ, refletindo na consciência humana a Sua própria natureza. A Luz SE reconhece na consciência, feito espelho...

A Sabedoria “caótica” do Inconsciente é posta em ordem compreensível pelo intelecto da mente objetiva, como a luz menor.

CAOS EM COSMO!

O Si Mesmo, aqui identificado como o Mestre, comanda toda a Constelação Arquetípica e ordena essa atividade de seu Arquétipo de Luz. Diz-se então em termos de Psicologia Profunda: “Como Deus está para a Criação do Cosmo, o Si Mesmo está para a Criação da Psique”. O Si Mesmo é o Arquétipo do Centro, o Mestre ou nosso Eu Interior, que assim ordena nosso caos pessoal em Cosmo.

O Mistério da Luz [o maior Mistério da Natureza] é desvelado pelo Portador do Archote ou Portador da Luz, nosso amado Lúcifer, matriz de nossa Inteligência Superior. Então, somente então, é feita a “revelação” espantosa de nossa real natureza, um “Mysterium Tremendum”. A Luz SE revela à alma humana, encontro de Cupido e Psyquê. O homem se conhece, um “Mysterium Cognitionis”, de acordo com as expressões de Jung.

Saímos da dialética dos ‘Opostos da Natureza’:Consciente-Inconsciente, luz-trevas e voltamos à unidade de consciência, voltamos à Casa do Pai. Ali o Rei e a Rainha misturam as suas substâncias psíquicas. Assim vemos que todo o Processo Alquímico está plenamente identificado como o Processo de Individuação e com a Psicologia do Inconsciente apresentada por Jung.

Essa figuração arquetípica que é o Portador do Archote ou Lúcifer está sempre a ilumina a Senda para que o Mestre possa dar prosseguimento ao Processo iniciático, o qual deverá culminar com as Bodas Místicas da alma com o Noivo, o Filho da Nova Aliança feita no Shekinah...

Embora tão vilipendiado quanto o mal compreendido Judas Iscariotes, é Lúcifer quem nos resgata dos mundos da Sombra, esse outro Arquétipo da nossa constelação psíquica. Todavia, atribui-se a Lúcifer a identificação com o Diabo, o adversário [dyá-bolos]’fundamental’, também mal-visto em função do maniqueísmo religioso. Mas, como foi dito, essas intelecções espirituais tem lugar ativo em nossa estrutura psíquica. Então serão logo resgatadas à Luz da Compreensão que nos traz o Portador do Archote. Quando isso acontece, o Homem conhece a si mesmo, o SI MESMO da psicologia junguiana.

E na Aurora Consurgens da Alma Humana eles estarão esperando por nós debaixo do arco da Vida Eterna, porque nessa aurora de nossos dias nascerá a Divina Compreensão.

O Anjo da Noite terá passado com o seu licor sombrio, pois saímos da Morte Mística na Noite do Grande Abandono.

Entramos na História dos Grandes Heróis, os Iniciados, como o foram Hércules, Perseu, Teseu, Orfeu. Da forja de Vulcano ou Hefaystos, com o seu Fogo do Crisol, sai um Novo Homem para a Luz de Osíris!
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“O Lúcifer da Cabala não é um Anjo Maldito e fulminado; É o Anjo que ILUMINA e que regenera, queimando...

Quando Deus disse: Faça-se a Luz, a inteligência foi feita e a Luz apareceu...

A inteligência tomou a forma de um Anjo esplêndido e o Céu o saudou com o nome de Lúcifer.” [ Eliphas Levi_Dogma e Ritual]
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[Texto de Hélio Francisco Fernandes].

Gênesis_Uma Interpretação Rosacruz.


1_ No começo Deus concebeu a criação do universo e o pensamento dirigiu as vibrações do espírito por todo o espaço, que estava vazio.

2_ E o Espírito penetrou naquilo que era sem Espírito e deu-lhe vida. E aquilo que foi vivificado não tinha forma, não tinha definição, e estava em trevas absolutas, e a umidade surgiu em todo o espaço, que também foi vivificado pelo Espírito.

3_ E Deus ordenou que toda a matéria fosse consciente de sua existência e conhecesse o Espírito pelo qual se tornou manifesta. E foi criada a Consciência Cósmica, que era a Grande Luz do mundo.

4_ E a Luz era o Bem; pois dispersou as trevas e revelou as manifestações de Deus. E o que não foi iluminado pela Grande Luz estava m trevas e era o mal; e o Bem e o mal foram separados.

5_ E Deus chamou Dia à Consciência Cósmica, e as trevas foram chamadas de Noite, pois eram ignorantes e não tinham consciência. E assim se completou o Primeiro Ciclo de Evolução.

6_ E Deus decretou que o Espírito efetuasse a divisão dos Quatro Elementos.

7_ E o espírito dividiu todas as coisas em seus elementos apropriados e as colocou nos Reinos Material e Espiritual. O Espírito uniu-se às Células que as vibrações fizeram surgir, e os quatro elementos, Fogo, Ar, Terra e Água, tornaram-se manifestos.

8_ A Consciência Cósmica deu ao ar o nome de “NOUS” e ele se tornou o Elemento Espiritual que constitui o Reino Espiritual. E assim se completou o Segundo Ciclo de Evolução.

9_ E o Espírito uniu-se aos elementos Fogo e Água, e do vapor que daí se formou surgiram os minerais.

10_ E a Consciência Cósmica deu o nome de Terra aos minerais e a umidade foi chamada de Água; e foram separados um do outro.

11_ E Deus vivificou a Terra com Espírito para que ela pudesse fazer surgir o que lhe correspondesse, conforme suas Células.

12_ Então a Terra fez surgir a grama, as ervas e as árvores, produzindo segundo sua própria espécie, porque as Células nelas estavam e foram tocadas pelo Espírito.

13_ E assim se completou o Terceiro Ciclo de Evolução.

14_ Em seguida, Deus ordenou que o Espírito tivesse Símbolos através dos quais pudesse se manifestar a todas as coisas criadas, e enviar suas vibrações; e aqueles seriam por Signos e Estações, através dos quais o tempo e a vida poderiam ser medidos.

15_ E eles deveriam emitir Luz e Vida de sua espécie.

16_ E foi criado um Grande Símbolo para aparecer no Dia e dispersar as trevas;era o Símbolo do Espírito e era o Bem. Do mesmo modo foi criado um Símbolo Menor para aparecer na Noite; era o Símbolo da Consciência Cósmica, refletindo a glória do Espírito. Daí em diante foram criados outros Símbolos para representar as forças criativas e os atributos do Espírito.

17_ E Deus ordenou que tudo isso permanecesse no Reino Espiritual.

18_ E do Reino Espiritual eles revelariam o Dia e a noite, a Luz e as trevas, o Bem e o mal.

19_ Assim se completou o Quarto Ciclo de Evolução.

20_ O Espírito tocou e vivificou as células que estavam nas águas para que se reproduzissem abundantemente conforme sua espécie; do mesmo modo foram vivificadas as células no ar para que produzissem criaturas conforme sua espécie.

21_ E assim foram criadas as grandes e as pequenas criaturas das águas, e as aves do céu.

22_ E a Consciência Cósmica as dotou de Instinto e foi-lhes ordenado que se multiplicassem com o toque do Espírito.

23_ E assim se completou o Quinto Ciclo de Evolução.

24_ E o Espírito fez surgir Sobre a terra vida em várias formas, segundo as células que dentro delas existiam.

25_ E surgiram feras e rebanhos, e os que rastejam sobre a face da terra.

26_ E Deus concebeu uma expressão física da Consciência Cósmica na face da Terra, para ser uma contraparte da expressão no Reino Espiritual.

27_ E o Espírito criou o Homem segundo a Imagem Cósmica de Deus a partir das células animais na terra; positivas e negativas, masculinas e femininas, eram as criações da Expressão Cósmica.

28_ E Deus abençoou a obra do Espírito, e disse ao Homem:”Com o Espírito em ti, deves desenvolver as células da terra que estão em ti e te multiplicares e te reproduzires segundo tua própria espécie, a fim de povoares a terra e te tornares mestre de tudo o que é da terra, do ar, do fogo e da água.”

29_ E a Consciência Cósmica no homem sabia que sobre a face da terra e no ar acima dela estavam os elementos nos quais o corpo do homem podia crescer e com os quais o Espírito no homem devia se manifestar e ser sustentado na expressão física.

30_ E do mesmo modo, a cada animal da terra, a cada ave do céu e a cada criatura das águas foram dados Elementos para a Vida.

31_ E a mente de Deus estava ciente de tudo o que fora criado; e isto era Bom. Assim se completou o Sexto Ciclo de Evolução.

32_ Desse modo foi criado tudo o que é. Na mente de Deus todas as coisas foram concebidas; e a concepção dirigiu as vibrações do Espírito para que ele criasse, e assim foi.

33_ E no Sétimo Ciclo a mente de Deus glorificou-se em sagrada comunhão com tudo o que fora criado; e o Espírito habitou em paz e harmonia, sua vibrações em perfeita harmonização com as vibrações de toda a matéria. E deus santificou o Sétimo Ciclo como o Ciclo da Perfeição, da Totalidade e da Harmonia.

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Notas:

* Esta é uma interpretação da Criação do Mundo da história Bíblica, sob um ponto de vista rosacruz. Entretanto, não seria dessa forma que o rosacruz escreveria a história da criação conforme sua própria compreensão da mesma.

Portanto, está é uma tentativa de traduzir a história bíblica para as doutrinas e ensinamentos rosacruzes, e de jogar luz sobre os pontos de semelhança entre ambas.

Como leitura correlata, o Primeiro Capítulo do Evangelho Segundo São João lança uma luz considerável sobre os quatro primeiros versos deste artigo.

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Texto de H.Spencer Lewis – Artigo Publicado no “The American Rosae Crucis”, fevereiro de 1916.

24 de fev. de 2010

A Fantasia Mental da Realidade_


Será o homem a única realidade?

Os filósofos conhecidos como solipistas sustentam que não há outra realidade a não ser o próprio EU;em outras palavras, toda experiência é considerada uma fantasia, não havendo qualquer existência exterior que lhe corresponda. Muitos pensadores ilustres, porém, tem refutado esta TEORIA de modo lógico e racional. As noções verdadeiras vivenciadas pela mente têm sua origem nas impressões dos sentidos objetivos do homem. O homem pode distorcer as impressões de seus sentidos a um estado de fantasia. Não obstante, ‘alguma’ coisa existe por detrás da fantasia; não se trata pura e simplesmente de um produto da consciência humana.

No entanto, não podemos presumir que a mente do homem seja um espelho da realidade; que aquilo que percebemos seja uma imagem autêntica da realidade. Nem podemos estar certos de que a nossa consciência do que chamamos ‘realidade’ seja sequer uma sombra da mesma, conforme Platão a ela se refere em seu diálogo ‘A República’.

Há uma enorme complexidade entre a natureza dos estímulos de nossos sentidos objetivos e sua interpretação em sensações e, finalmente, em idéias. Conferimos a essas variações exteriores de energia, às quais reage nossa consciência, uma identidade específica, como cor, som, gosto, etc.

Se tais impressões são as mesmas e aparentemente absolutas para todo mundo, constituirão então realidade?

Sabemos que certos comprimentos de onda da luz visível do espectro solar sempre produzem determinadas cores para a visão normal do homem. O mesmo pode ser dito quanto a certas oitavas de som que produzem diversas vibrações para a audição normal.

Mas terão elas a característica de realidade independente da consciência do homem?

Surge a questão:

ð “Pareceriam diferentes estes fenômenos a um ser senciente que não o homem?
ð Alguns animais são cegos às diversas freqüências da luz visível que o homem interpreta como cor. Qual, pois, constitui a realidade?
ð Será a interpretação do homem das energias do ‘espectro eletromagnético’[como as ondas de rádio, ondas infra-vermelhas, ultravioletas, raio-x, e raios cósmicos]a realidade pura?
ð Deverá aquilo que se apresenta ao homem como uma ‘constante’, aquilo que é percebido por todas as pessoas, ser aceito como ‘realidade absoluta?’

O célebre filósofo e cientista ‘Albert Einstein disse:

“A crença num mundo exterior independente do sujeito que o percebe é a base da ciência natural. Entretanto, visto que a percepção sensorial só fornece informação desse mundo exterior ou da ‘realidade física’ indiretamente, só podemos inferir a última por meio especulativos. Segue-se que nossas noções da realidade física não podem jamais ser conclusivas. Devemos estar sempre prontos para mudar essas noções... de modo a fazer justiça aos fatos percebidos de modo mais logicamente perfeito.”

O HOMEM E O COSMOS_
Uma vez que não podemos racionalmente aceitar a TEORIA DO SOLIPISTA, de que o homem é a única realidade, e sim a de que ele é apenas uma minúscula parte do Cosmos, será o ser humano então o único fenômeno a ser admitido exatamente como ele é vivenciado?

Mais sucintamente, será o EU, o nosso ser, o único arquétipo do todo da realidade que nossa consciência pode perceber em sua verdadeira natureza?

O homem ‘existe’, e tudo o mais de que ele tem consciência também ‘existe’; mas existirão o homem e as coisas de que ele tem consciência exatamente como ele próprio as conhece?

Os homens tem em comum um padrão de avaliação pelo qual consideram a existência. Confiam nesse padrão devido à sua universalidade; isto é, todos os seres humanos ‘normais’ tem-no de igual forma. Esse padrão de avaliação consiste nas características dos sentidos objetivos e nas construções mentais que o homem faz dos mesmos. Esses instrumentos de medida inatos são as classificações de:

ð identidade;
ð quantidade;
ð qualidade;
ð continuidade;
ð tempo-espaço [sucessão]; e –
ð causalidade.

I] A ‘identidade’ é mais do que a percepção. Não se trata simplesmente dos estímulos dos sentidos objetivos específicos, como a visão, a audição, etc. Antes, identidade, é a ‘compreensão’ que decorre da experiência. Deve haver uma existência independente; em outras palavras, o que se percebe deve ser compreendido como uma espécie específica ou ‘classe’ de coisas. PÓ analogia, para que uma banana tenha identidade, não basta apenas que ela assuma para nós certa forma, certa cor, e exale um cheiro característico. Deve também ser distinta, isto é, algo em si mesma, exceto no que ela pode ser relacionada a muitas de sua própria espécie, ou àquilo que lhe parece semelhante; assim, ela é ‘identificada’ como uma classe de sensações semelhantes.

Conseqüentemente, quando somos capazes de atribuir identidade a nossas experiências sensoriais, elas assumem então uma ‘relativa’ realidade para nós. Trata-se daquilo a que atribuímos ‘significação’ e existência igual às nossas próprias, no que diz respeito à consciência.


II] O conceito de ‘quantidade’ surge da repetição da mudança espacial ou da repetição de mudança de forma, ou de ambas. Por exemplo, diversas bolinhas de gude do mesmo tamanho e da mesma cor, embora colocadas bem próximas, tem uma variação de espaço em sua posição com relação uma às outras. Esta alteração espacial implica a idéia de quantidade em contraste com a de um único objeto.

Por outro lado, objetos de diferentes cores e formas, embora agrupados, transmitem a impressão de uma repetição de mudança de forma e dos elementos da forma que fazem dos objetos coisas distintas. Obviamente, a ‘identidade’ não pode ser separada da ‘quantidade’. Deve existir aquilo que possa ser ‘percebido como algo’, para que lhe possamos atribuir quantidade. Conseqüentemente, a quantidade é outro fator que contribui para nossa crença comum na realidade da nossa experiência objetiva.

III] A idéia de ‘qualidade’
tem sua origem nas impressões de cada um de nossos sentidos objetivos. Em outras palavras, só podemos julgar a qualidade de algo pela visão, pelo paladar, aroma, som e toque. Quanto mais as impressões dos sentidos objetivos confirmem uma a outra, ou seja, contribuam para a noção de realidade, tanto mais aceitação terá a experiência. A qualidade, não obstante, é uma classificação cultivada. É algo que se avalia da satisfação proporcionada pela experiência daquilo que está sendo percebido. Por exemplo, o que é satisfatório ou prazeroso para nós, chamamos de ‘bom’. Aquilo que proporciona estas sensações é a excelência da natureza da coisa; em outras palavras, é a sua ‘qualidade’. Inversamente, aquilo que não nos é aceitável em níveis variáveis é de menor qualidade.

IV] Espaço e Tempo_ A ‘ continuidade’ ou ‘sucessão’ está relacionada com o conceito de ‘espaço e tempo’. A experiência mais comum de sucessão e tempo constitui-se dos três estados fundamentais de consciência. Em relação ao nosso estado de percepção imediata, como a visão, a ‘memória’ diz respeito ao passado. A experiência imediata por que passamos constitui o presente. Apesar de que a recordação de qualquer acontecimento esteja na categoria de experiência imediata, as impressões da memória não trazem consigo a intensidade das impressões sensoriais diretas. O que percebemos ‘agora’ normalmente causa uma impressão mais real na consciência do que uma imagem da memória.

A ‘imaginação’ sugere a noção de ‘futuro’. A mente ’normal’ pode distinguir a imagem mental criada volitivamente daquela que é ‘percebida diretamente’. Aquilo que imaginamos constitui também uma percepção do presente, porém,sabemos que não se trata da conseqüência de uma experiência sensorial imediata ou de memória. Sabemos que sua apreensão como uma atualidade pode só ocorrer num período posterior; assim, aquilo que imaginamos pode ser considerado parte de um possível futuro.

Vários fatores matemáticos, que dependem do contínuo espaço-tempo, implicam de igual modo o conceito de tempo. Por exemplo, o ponto de referência de um indivíduo no espaço modifica o conceito de tempo. Consideremos o clássico exemplo freqüentemente empregado para transmitir esta idéia. A luz viaja à velocidade de 300.000/km por segundo. De uma estrela “A”, ela leva dez anos para alcançar a Terra, e leva quatro anos para alcançar uma estrela “B”. Digamos agora que você se encontra na Terra olhando a estrela “A” através de um potente telescópio. Sua visão da mesma será no ‘presente’. Em nenhuma outra ocasião no passado ou no futuro você poderia vê-la. Para quaisquer seres na estrela “A” o evento estaria se desenrolando dez anos no passado. Para um observador na estrela “B”, o evento estaria quatro anos no passado. Assim a realidade do tempo e do espaço depende de como a ‘percebemos’, sendo ‘relativa’ à nossa posição no espaço.

V] A classificação de ‘causalidade’ normalmente se apresenta como realidade; simplesmente, parecem existir causas ‘absolutas’. Mas haverá realmente causas independentes, ou seja, causas que não dependam de qualquer fator precedente? As causas são uma concatenação de fatores que contribuem para o acontecimento que chamamos de ‘efeito’. Há uma transição de um evento [coisa] para outro, numa sucessão de causa e efeito. No entanto, nem sempre temos consciência do que antecedeu aquilo que pensamos ser a causa. Nenhum efeito está isolado, nem é inerte. Sua transição para algo diferente, porém, nem sempre é observável. Esse efeito, por sua vez, pode ser a causa de outra forma ou condição. Algo como uma causa absoluta teria de sr uma coisa imutável; não apenas imutável, mas, também uma singular criação primordial. Nenhum verdadeiro começo ou término ocorre na natureza; há somente aquela corrente de mudanças em que todas as coisas estão relacionadas. Não há qualquer realidade especifica quanto ao que percebemos serem essas mudanças em determinado momento; elas não são como nós a apreendemos.

Não estamos negando a existência do ser, da realidade, mas sim questionando nossa concepção objetiva da mesma. Citando Albert Einstein outra vez:

“Por trás dos incansáveis esforços do cientista esconde-se uma compulsão mais forte e mais misteriosa: a existência e a realidade que ele pretende compreender. Mas ele se esquiva ao uso destas palavras, pois logo se vê em dificuldades quando tem de explicar o que ele quer realmente dizer com “realidade” e “compreender” numa afirmação tão genérica como esta.”

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[Texto do Imperator]

23 de fev. de 2010

Alucinações: Abismos ou Picos de Consciência?


Conta-se que Sócrates era guiado por inspirações e pensamentos singulares que ocasionalmente tomavam forma de vozes audíveis. Supõem-se, também, que, com cerca de quarenta anos de idade, ele tinha estados semelhantes a transe, em que podia manter a mesma postura física por horas. “Ele permaneceu imóvel desde as primeiras horas de um dia até o nascer do Sol no outro dia, por toda uma noite extremamente fria”. Hoje em dia, semelhante comportamento seria considerado sinal de grave doença mental, e, mesmo em sua própria época, Sócrates foi considerado um desequilibrado. Apesar disto, os místicos de todas as épocas relataram experiências de inspiração, de visões e sons divinos, e freqüentemente esforçavam-se por se abrir a essas experiências em intensivos [e às vezes prolongados] períodos de concentração e meditação.

Compreendemos que, as alucinações são visões mentais que se tornaram fixas em intensidade e interesse. Quando essas visões mentais estão sob controle, podem resultar nos mais profundos e criativos pensamentos.

Mas serão as alucinações sintomas dos abismos de doenças mentais, ou serão a fronteira criativa da Consciência Cósmica?

BUSCA DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA_

Com o advento do LSD [dietilamida do ácido lisérgico], a evocação de estados alterados de consciência com alucinações [as chamadas experiências psicodélicas] tornou-se mania entre os jovens da civilização ocidental, e ameaçou a estrutura social em algumas áreas da cultura do Ocidente. Embora a mania do “ácido” tenha passado, a busca de experiências psicodélicas enraizou-se numa busca maior, em todo o mundo, da consciência expandida e da consciência cósmica.

Essa busca não está livre de riscos: O “atalho” proporcionado pelas drogas [marijuana, cocaína, LSD, para citar algumas] tem provocado muitas conseqüências psíquicas desastrosas, indo de mero vício até o extremo de ferimentos físicos, de assassinatos e suicídios. Reconhecendo a fonte cósmica como a origem da consciência humana, devemos notar que não é a substância que provoca o inferno mental ou físico. Antes, é a ignorância dos princípios de domínio de si próprio que dá origem a fruto tão amargo.

Na tradição mística, a consciência humana origina-se na Consciência Cósmica, e passa por um processo de individualização e amadurecimento. Nesse processo, a consciência humana tem o potencial e o direito inato de alcançar o objetivo e a plenitude que Deus lhe determinou. A nascente consciência humana, ou personalidade-alma, é uma consciência única e pessoal, que tem à sua frente ilimitados reinos de experiência e oportunidades de auto-realização. Através do instrumento da individualidade objetiva, ela explora, testa, e experimenta um universo de experiências físicas, emocionais e espirituais no processo de individuação e amadurecimento.

Na imaginação, uma experiência com a característica de impressões sensoriais [visão, audição, paladar, etc] pode ser evocada por condições tóxicas, tumores, e substancias químicas. O sujeito não pode distinguir essa experiência de uma outra evocada pelos processos sensórios naturais, ainda que a mesma seja muito bizarra. A percepção é experimentada como real. Além disto, as alucinações podem ser provocadas por severa tensão física ou emocional.

Pacientes de hospitais para doentes mentais comumente descrevem experiências alucinatórias com estas palavras:

ð “substâncias químicas estão sendo jorradas sobre mim”;
ð “ouço chamarem meu nome”;
ð “vozes estão me dizendo para fazer coisas”.


Em certo caso, um paciente declarou que vozes o estavam dirigindo para que ele parasse com seu comportamento criminoso. Ele admitiu que ignorava essas vozes e foi subseqüentemente encarcerado.

Alguns pacientes afirmaram que as alucinações lhes foram muito significativas no momento em que ocorriam. Mas, ao fazerem uma retrospectiva, não mais reconhecem ou apreciam esse significado. Alguns pacientes, com aparente deliberação, cultivam as conversações e relacionamentos com as vozes, ignorando e mesmo afrontando a responsabilidade com relação a sua vida pessoal no tocante à realidade ordinária. Alguns desses indivíduos abusam dos ensinamentos e práticas metafísicos para conseguir experiências artificiais.

COMPREENDENDO O EU_
Existe um delicado relacionamento entre a Individualidade Objetiva, ou EU, e a personalidade-alma, que, quando equilibrado, constitui felicidade. O autodomínio é a consecução e manutenção de um estado de equilíbrio no relacionamento ente o Eu e a personalidade-alma através do curso e estágios de individuação e maturidade. Sob a perspectiva do relacionamento EU-ALMA podemos chegar a uma melhor compreensão das alucinações.

Por conveniência, podemos considerar que o curso de individuação e amadurecimento consiste de quatro fases.

ð Do ponto de vista do EU, a primeira fase diz respeito à identidade do EU como objeto. A Individualidade Objetiva está relacionada com o domínio das sensações e motivações físicas.
ð Na segunda fase o EU desenvolve sua identidade como uma entidade social. Ocupa-se do refinamento de suas relações com os seres humanos e outras criaturas.
ð A terceira fase implica na determinação, por parte do EU, de sua identidade com o universo. O EU desenvolve a consciência das dimensões ampliadas da realidade pessoal no contexto tempo-espaço.
ð A quarta fase diz respeito à identidade do EU como fonte. A experiência de identificação e identidade com o Cósmico torna-se o fator central.

O conteúdo das alucinações reflete o relacionamento EU-ALMA e a fase da individuação. O solo fundamental da fase um e dois é a separatividade. A comunicação entre a Personalidade-Alma e o EU será experimentada como se proviesse de fora. Em primeiro lugar os signos e símbolos mais significativos do EU são objetos. A comunicação provinda da alma será em termos de signos “miraculosos” de objetos estranhamente transformados. OU, na segunda fase, a comunicação pode tomar a forma de eventos ou acontecimentos sociais especialmente significativos.

A qualidade da experiência será colorida pelas emoções, pensamentos, e atitudes características do relacionamento EU-ALMA na ocasião. No caso de considerável imaturidade, de ‘stress’, irresponsabilidade, ou medo e hostilidade, a experiência de comunicação com a Personalidade-Alma será grandemente distorcida e percebida como ameaçadora. No estado de harmonia e apropriada responsabilidade por si próprio, a comunicação pode ser experimentada como uma co-participação benigna e sustentadora.

Com muita freqüência, quando se ministram drogas para suplantar os mecanismos fisiológicos da consciência, seja por medo ou ignorância, a pessoa vem a experimentar a característica de separação mais intensamente e a conferir maior realidade à crença de que o poder reside nas drogas como objetos. Analogamente, pode-se abusar de práticas místicas para forçar um estado alterado de consciência, realçando a intensidade da separatividade e o temor da realidade objetiva.

As terceiras e quarta fases da individuação são mais apropriadas do que as duas primeiras à busca de uma consciência superior. A Individualidade Objetiva será estabelecida e bem embasada em sua experiência de relacionamentos objetivos e sociais. A direção eficiente das necessidades físicas e emocionais estará baseada na compreensão madura, produto da prática e experiência. O autodomínio na experiência das emoções e pensamentos será eficazmente atingido. A Individualidade Objetiva, como um veículo da experiência, estará preparada para apreciar e traduzir experiências universais cada vez mais sutis. O relacionamento entre o EU e a ALMA estará apto a sustentar a necessariamente refinada cooperação entre as consciências objetiva e subjetiva.

O solo fundamental das fases três e quatro é a UNIDADE. A comunicação entre a Personalidade-Alma e o EU será experimentada como se proviesse da dimensão do próprio indivíduo. A comunicação tem a qualidade de aprofundar a compreensão e expandir a riqueza de significado. Objetos físicos e eventos sociais tornam-se contidos num contexto de significado e valor. O senso de identidade pessoal, outrora obscurecido pelo medo e pela luta pela sobrevivência, torna-se iluminado por uma co-participação divina e pela antecipação de um futuro inimaginável.

Sócrates era um desequilibrado na mente dos ignorantes, e louco aos olhos dos temerosos. Entretanto, tornou-se grande ante os olhos da história por sua coragem de viver sua vida na verdade. De que outro modo poderíamos nós vir a conhecer a PAZ PROFUNDA?
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[Texto de Richard A. Rawson]

18 de fev. de 2010

A Reencarnação no Cristianismo Primitivo


As pessoas que vivem no mundo ocidental, em sua maioria, são cristãs pertencentes às diversas denominações religiosas e é entre estas que se verifica a existência de um preconceito generalizado e difundido de que a “Reencarnação é uma doutrina exótica, característica das religiões orientais, incompatível com o Cristianismo, e condenada pela Igreja.”

A Reencarnação não é uma doutrina religiosa; trata-se de uma lei natural – tão natural quanto a da concepção e desenvolvimento do embrião no ventre materno ou a qualquer outra das leis que regem nosso mundo físico. Sua aceitação ou recusa, por conseguinte, em nada altera sua essência e operação. Permanece o fato, entretanto, de que a existência do preconceito aludido tem criado problemas de consciência ao cristão devoto.

Por isso, será interessante analisarmos os resultados de uma pesquisa, na qual se pretende demonstrar que a ‘Reencarnação é compatível com o Cristianismo’ e que não foi condenada pela autoridade eclesiástica.

Embora o Cristianismo tenha sofrido, na sua formação, a influencia do Mitraísmo, predominantemente no Império Romano, não há dúvidas de que é o herdeiro espiritual do Judaísmo. Segundo a Bíblia, Jesus e seus Apóstolos eram judeus e na Palestina, entre os judeus, Jesus fez suas pregações, algumas vezes nas próprias sinagogas. Chegou mesmo a afirmar que não viera reformar a Lei, mas cumpri-la [referindo-se à Lei Mosaica]. Eram os judeus reencarnacionistas?

JUDAÍSMO_
Moyses Gaster, Rabino-Chefe da Congregação Judaica de Londres, citado por H. Spencer Lewis em “Mansões da Alma”, páginas 118 e seguintes, a propósito da religião, crenças e práticas dos judeus, menciona livros oficiais, neste sentido, dentre os quais o Zoar, o Manasseh bem Israel e o Taheb.

No principal livro da Cabal, o Sepher Zoa, a Reencarnação é assim descrita:

“Todas as almas foram criadas no começo de toda a Criação e quanto não estão encarnadas, elas permanecem em celestial bem-aventurança e divina iluminação. Quando um corpo está sendo preparado para receber uma alma, a alma que precisa de certa experiência terrena é dirigida ou atraída para esse corpo que lhe proporcionará essa experiência ou esse conhecimento...Assim recebe a alma uma oportunidade de fazer compensação por seus pecados e se purificar, elevando-se mais um grau rumo à perfeição final...Quando todas as almas tiverem sido assim purificadas por meio de sucessivas reencarnações e tiverem alcançado a meta final da perfeição, o Reino do Céu, na Terra será estabelecido...A doutrina samaritana do Taheb ensina a mesma concepção de uma alma pré-existente, como a que foi concedida a Adão e que através de sucessivas encarnações em Set, Noé e Abrahão, chegou a Moisés...”

Estas crenças estavam firmemente estabelecidas na maioria dos homens e mulheres na época de Jesus e, assim sendo, podemos compreender melhor as muitas alusões à doutrina da Reencarnação na Bíblia Cristã, como veremos a seguir:

OS EVANGELHOS_
Era crença dos judeus que o profeta Elias voltaria a este mundo como precursor do Messias prometido.

Ora, no Evangelho segundo S. Mateus, capítulo XI, verso 14, Jesus declara:
“Porque todos os profetas e a Lei, até João, profetizaram e se vós o quereis compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir; quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
Percebe-se, aqui, que o Mestre se referia a João Batista como sendo o profeta Elias reencarnado.

O seguinte trecho, extraído de Mat. XVI, 13, expressa claramente a convicção dos discípulos de Jesus na Reencarnação:
“E Jesus foi para as bandas da Cesaréia de Felipe e interrogou seus discípulos, dizendo: quem dizem os homens que é o Filho do Homem? E eles responderam: uns dizem que é João Batista, outros, que é Elias e outros que é Jeremias ou algum dos profetas”.

Em Mat.XVII, 12, lemos:
“Digo-vos, porém, que Elias já veio. Não o conheceram – antes fizeram dele o que quiseram. Assim, também, o Filho do Homem há de padecer em suas mãos. Então os discípulos compreenderam que lhes tinha falado de João Batista”.
Declaração expressa, de Jesus, de que João Batista era a reencarnação de Elias.

Em Jo. IX, 1, temos que:
“...passando, Jesus viu um cego de nascença e seus discípulos perguntaram-lhe: Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego? Jesus respondeu: nem ele nem seus pais pecaram, mas foi assim para que se manifestassem nele as obras de Deus”.
Notamos aqui, conforme comentários de H.Spencer Lewis, “que os discípulos claramente afirmaram que o homem nascera cego e, portanto, estavam perplexos quanto à causa de sua cegueira. Convém frizar que os discípulos queriam saber se o próprio cego havia pecado, ou seus pais. – De que maneira poderia o próprio homem ter pecado de modo a provocar cegueira ‘antes’ do seu nascimento? Só tendo pecado numa vida anterior e, assim, ter provocado a própria cegueira como uma condição cármica. Nenhuma outra interpretação pode ser dada a essa pergunta dos discípulos”.

“E devemos notar, também, que os discípulos fizeram sua pergunta sem hesitação e, aparentemente, sem timidez. A pergunta foi feita como se fosse comum, muito natural e sua própria natureza indica que os discípulos perfeitamente familiarizados com as leis do Carma e do Renascimento e sabiam que Jesus conhecia o Renascimento e o Carma como leis universais”.

“Notemos, também, prossegue Spencer Lewis, que a resposta de Jesus não é uma repreensão pela pergunta feita, nem uma crítica às crenças dos discípulos... Jesus aceitou o conteúdo implícito da pergunta e respondeu que nem o homem e nem seus pais haviam pecado, mais que aquela condição havia ocorrido “àquele” homem para que pudesse ensinar uma lição e manifestar um princípio.”

No diálogo com Nicodemus, em Jo.III.,3, Jesus diz como é importante para o homem renascer a fim de entrar no Reino de Deus e, sem nada afirmar quanto ao número de vezes que o homem deve reencarnar, declara que o Espírito, ou alma do homem, “virá e partirá como o vento e ninguém poderá dizer de onde, nem para onde”. Uma afirmação alegórica do renascimento e de todo o processo de purificação.

Em se tratando de uma doutrina básica e tão importante, por que Jesus não se referiu a ela mais extensa e expressamente?

Em primeiro lugar, porque Jesus poderia ter achado desnecessário ensinar a repisar uma doutrina que era tranqüilamente aceita pelos judeus.

Em segundo lugar, nem tudo aquilo que Jesus ensinou consta dos Evangelhos, como os conhecemos. Sobre isto, temos a advertência do evangelista S. João, no capítulo XXI, 26: “Muitas outras coisas há que Jesus fez e ensinou as quais, se escritas fossem, uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever”. Esta declaração nos revela que a maior parte dos ensinamentos de Jesus não constam dos Evangelhos, nos quais foram registrados ‘alguns’ fatos e ensinamentos – aqueles considerados, pelos compiladores, como mais importantes e inusitados – omitindo-se o registro das coisas que já eram conhecidas e aceitas, como é o caso da Reencarnação.

Em terceiro lugar: não existem registros dos ensinamentos de Jesus, feitos no seu tempo. O evangelho mais antigo, o de S. Marcos, foi escrito entre os anos 65 e 67; o de S. Mateus e S.Lucas, pelo ano 70, enquanto que o de S.João, entre os anos 90 e 170 depois de Cristo. Como se explica isso?

A resposta está em Mat.X, 23-24;XVI, 27; XXIV, 34 a 36. Jesus havia prometido voltar naqueles dias: ”Em verdade vos digo que não acabareis de correr as cidades de Israel sem que venha o Filho do Homem”. – “Em verdade vos digo que entre aqueles que ‘aqui estão presentes’, há alguns que não morrerão antes que vejam vir o Filho do Homem no seu Reino”.

Face a estas solenes promessas, os primeiros discípulos perpetuavam, sobretudo, a tradição oral composta, quase exclusivamente, de fatos da vida de Jesus, não se preocupando em escrever qualquer coisa sistematizada, pois acreditavam que a volta do Mestre seria para breve.

Nos primeiros tempos, assuntos de ordem moral, doutrinária e teológica, sob a forma de cartas [epístolas], eram lidos e comentados nas igrejas. Quando os discípulos se aperceberam que a segunda vinda de Jesus, solenemente prometida, estava demorando muito, resolveram compilar os fragmentos transmitidos oralmente, originando-se, desta forma, os Evangelhos, dentre os quais mencionados o de Marcos, Mateus, Lucas, João, Pedro, Nicodemus, Barnabé, Tiago, dos Egípcios e outros.

Havia muita divergência e discussão em torno dos livros chamados “sagrados”. O Apocalipse de S.João era aceito no Ocidente, mas rejeitado no Oriente; as epístolas aos Hebreus e de S.Tiago eram adotadas no Oriente, mas não no Ocidente; as igrejas de Alexandria e Roma, aceitavam o Evangelho de S. Marcos, a de Jerusalém o de S. Mateus, a de Antioquia o de S.Lucas e a de Éfeso o de S.João. As igrejas menos importantes adotavam os de S.Pedro, de Barnabé, de Tiago e outros, considerados, mais tarde, em 367, como “apócrifos” com a fixação do Cânon cristão, por Santo Atanásio.

Estudos procedidos nos textos evangélicos revelam que os mesmos foram escritos, não por uma pessoa, mas por diversos compiladores. Pode-se imaginar as dificuldades que devem ter tidos os discípulos de reproduzir, fielmente, sem omissões e interpretações pessoais, em meio a tantas discussões, as exatas palavras de Jesus pronunciadas 30,40, e até 50 anos ‘antes’!

Os manuscritos originais dos Evangelhos, Atos, Epístolas e Apocalipse, bem como suas cópias mais antigas, perderam-se e, muito possivelmente, foram sendo feitas alterações, interpolações e omissões, na tentativa de se construir um corpo doutrinário no qual não houvesse contradição. É muito conhecida a interferência do Imperador Constantino, no Concílio de Nicéia, em 325, época em que a Igreja tornou-se dominante e realizou, pela primeira vez uma sólida unidade, à custa do recolhimento e destruição de numerosos escritos ‘discordantes’, dentre os quais os de Celso, violento polemista gnóstico, que acusava os cristãos de falsificarem, constantemente, seus livros religiosos.

Ao efetuar a tradução da Bíblia, do hebraico para o latim, S. Jerônimo foi duramente criticado pelos graves erros cometidos na tradução. Assim mesmo, seus originais e as cópias mais antigas, da “Vulgata” desapareceram e as novas cópias sofreram, por sua vez, alterações por parte dos copistas. Dentre os 12 mil manuscritos da Bíblia existentes, não há duas cópias exatamente iguais, pelas divergências existentes, fato que revela que, com o tempo e com as transcrições, foram se introduzindo alterações nos textos originais.

Face a tantos escritos contraditórios que originavam apreciável número de grupos dissidentes, a Igreja resolveu, através de concílios, declarar o que era verdadeiro e o que não o era. Os escritos divergentes foram destruídos e excomungados aqueles que teimavam em afirmar que as doutrinas ensinadas por Jesus eram diferentes daquelas oficialmente adotadas pela Igreja.

OS DOUTORES DA IGREJA_
Para que um cristão seja canonizado, considerado ‘santo’ pela Igreja, é necessário que o mesmo tenha exercitado as virtudes a um grau heróico e que seja absolutamente ortodoxo, isto é, fiel às doutrinas da Igreja. Nos escritos de cinco santos Doutores da Igreja, teólogos de autoridade incontestável, encontraremos elementos convincentes de que a Reencarnação compunha o elemento das doutrinas cristãs originais.

Nascido no ano 100, em Nablus – Samaria – S.Justino Mártir, estudioso dos filósofos, dedicou-se a conciliar a cultura clássica pagã com o Cristianismo. Dentre suas obras restam “Apologia” e “Diálogos”, escritas em Roma, no ano 150. Notadamente em seu “Diálogo n.4”, S. Justino declara, expressamente, que a alma humana habita mais que uma vez o corpo e, ao mesmo tempo, argumenta que ao reencarnar ela não pode se lembrar das experiências prévias.

Titus Flavius Clemens, mais conhecido como S. Clemente de Alexandria, nasceu em Atenas, no ano 150 e, como S. Justino, exerceu considerável influência na teologia cristã, tendo escrito alentados tratados, dentre os quais, “Stromateis”. Em sua obra, “Exortações aos Gregos” escreveu que “Filolaus, o Pitagórico, ensinava que a alma foi introduzida no corpo como punição pelos pecados cometidos, e que sua opinião era confirmada pelos mais antigos profetas”.

A concordância de S. Clemente de Alexandria com Pitágoras, sobre a Reencarnação, se encontra em “Stromata VI”, Capítulo 4, e suas opiniões sobre o assunto figuram em “Stromata IV”, Capítulo 26, no texto sob o título “Quis dives salvetur”, em “Stromata III”, capítulo 3, e na obra “De Principiis”, Volume II, 8 – tudo conforme a Enciclopédia Católica, Volume X, pagina 678, onde se acham, também, as referências a S.Justino Mártir.

S Gregório, bispo de Nyssa, nasceu na Capadócia em 330, tendo exercido considerável influência na tradição mística da Igreja Oriental. Num de seus escritos, Gregório, designado por Teodósio I como “modelo de ortodoxia”, formalmente declara ser “absolutamente necessário que a alma seja curada e purificada e se isso não tiver lugar durante sua vida na Terra, terá de ser feito em vidas futuras”.
Euzebius Hieronumus nasceu em Aquiléia, no ano 340, e tornou-se conhecido, pela sua tradução da Bíblia hebraica, como S. Jerônimo. Considerado um dos quatro maiores doutores da Igreja Ocidental, em sua “Epístola a Demetríades”, faz uma surpreendente confissão aos cristãos de todas as épocas: “A doutrina da reencarnação tem sido ensinada, ‘secretamente’, a um pequeno número de pessoas, como uma verdade tradicional que não deve ser divulgada, a não ser a um pequeno número de pessoas.” É interessante notar que S. Jerônimo se refere à Reencarnação como a uma ‘verdade tradicional’, a ser revelada ’a um pequeno número de pessoas’ e de maneira ‘secreta’. Por que essa ocultação da verdade tradicional aos cristãos?

Santo Agostinho, bispo de Hipona, conhecido pelas suas “Confissões”, é reconhecido como um dos maiores pensadores da Cristandade antiga. Admirador da reencarnacionista Plotinus, em sua obra “Contra Acadêmicos”, escreveu: “A mensagem de Platão, a mais pura e mais luminosa de toda a filosofia, dissipou, por fim, as trevas do erro, e agora brilha mais fortemente, principalmente em Plotinus, um platonista tão semelhante ao seu mestre, que a gente pensaria que viveram juntos, ou melhor – considerando tão longo período de tempo que os separou - que Platão nasceu, novamente, em Plotinus”.

Em suas “Confissões”, S. Agostinho questiona o Criador:”Dize-me, Senhor, minha infância sucedeu à outra minha idade que morreu antes dela? E essa era aquela que eu vivi no ventre de minha mãe?...e que houve antes dessa?...estava eu em algum lugar ou em outro corpo:...”

A Enciclopédia Católica, em seu Volume IX, páginas 346 e seguintes, fala extensamente do grande Orígenes, considerado por S.Jerônimo o maior dos Padres da Igreja depois dos Apóstolos. Em sua obra polêmica “Contra Celsum” – acusava os cristãos de falsificarem seus livros sagrados – escreve: “Não será, certamente, mais conforme a razão que cada alma, por certas e misteriosas razões, seja introduzida num corpo e de conformidade com seus merecimentos e ações anteriores?...e que aqueles que usaram seus corpos para fazer a maior soma possível de bem tenham o direito a corpos enriquecidos com qualidades superiores aos corpos de outros?...”em determinada oportunidade abandona um corpo que era necessário antes...e o substitui por um segundo corpo”.

São Paulo, em sua Epístola aos Efésios, Capítulo I, 4, diz: “Assim como Ele mesmo nos escolheu ‘antes’ da criação do mundo, por amor,...”. Comentando este trecho Orígenes ensinava: “A alma não teve começo nem terá fim; cada alma vem para este mundo fortalecida pelas vitórias ou enfraquecida pelas derrotas de sua vida anterior. Seu lugar, neste mundo, como um vaso destinado à honra ou à desonra´, é determinado por seus prévios méritos e desméritos. Seu trabalho, neste mundo, determina seu lugar num mundo que se segue a este”. Ora, S. Jerônimo, em sua 94ª Carta a Avitus”, concorda com esta interpretação dada por Orígenes à referida Epístola...

Não subsistem dúvidas, portanto, de que nos primeiros 400 anos a doutrina da Reencarnação, professada por Jesus e seus discípulos, como vimos, era naturalmente aceita pelos grandes luminares da Cristandade Primitiva.

A contar do II Concílio de Constantinopla, entretanto, qualquer alusão à doutrina reencarnacionista passou a ser assunto proibido. Qual a razão?


O II CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA_
Dentro do contexto dogmático da Igreja, se um fiel vier a crer em alguma doutrina formalmente condenada, está, ‘ipso facto’, excomungado, isto é, segregado da Cristandade e condenado. Ora, é crença generalizada que a doutrina do renascimento tenha sido condenada pelo referido Concílio e, por esta razão, durante todos estes séculos não foi analisada, discutida e muito menos ensinada no mundo cristão. Teria sido ela realmente condenada?

Para que uma doutrina seja tida como dogma de fé, ou então condenada pela Igreja, é necessário que um concílio [congresso de bispos do mundo inteiro] tenha sido convocado pelo Papa, que delibere em sessões plenárias e que suas conclusões seja, finalmente, ratificadas pelo Sumo Pontífice. Esta, a doutrina católica. Nada disso aconteceu no mencionado Concílio.

Instalado a 5 de maio de 553, o II Concílio de Constantinopla foi convocado – não pelo Papa Vigílio – mas pelo Imperador Justiniano. O Pontífice, além de protestar pela convocação, se recusou a ele comparecer.

O Concílio foi convocado - e irregularmente – para tratar, ‘exclusivamente’, de uma controvérsia teológica conhecida como “Três Capítulos”. Nem Orígenes, nem a Reencarnação por ele ensinada, foram causa do Concílio.

Pelas atas conciliares, existentes no Vaticano, verifica-se que aquele congresso tratou, ‘exclusivamente’, dos “Três Capítulos”, e ‘somente’ as atas concernentes a esta tese foram submetidas ao Papa, para sua aprovação, que somente foi dada, ‘sob pressão’ do Imperador, 6 meses após, em 8/12/553 e 23/2/554.

Se o Concílio como tal e o Papa não condenaram Orígenes e, por conseqüência, a doutrina do Renascimento, de onde surgiu a crença errônea de sua condenação?

UM ENGANO DESASTROSO_

A própria Enciclopédia Católica, em seu Volume IV, página 170, Volume XII, página 456 e Volume IX, página 346, tratando do “Concílio”, “Três Capítulos” e “Orígenes”, respectivamente, nos permite saber o que realmente aconteceu.

O Imperador Justiniano era inimigo declarado de um partido existente na Palestina, denominado de “origeneístas”; os bispos, reunidos numa sessão ‘extra-conciliar’, por ordem do Imperador tinham de considerar uma forma de origeneísmo que nada tinha, praticamente, com os ensinamentos de Orígenes. Pressionados pelo Imperador e cientes de que o Papa Vigílio quase perdera a vida por se recusar a concordar com Justiniano, os bispos subscreveram 15 anátemas propostos pelo Imperador. Após seis meses de constrangimentos e ameaças, o Papa ‘consentiu’ em aprovar a condenação contra os “Três Capítulos”, “tacendo sugli altri anatematismi emanti dal Concílio” – isto é, calando, não se pronunciando sobre os demais anátemas aprovados na sessão extra-conciliar.

Verifica-se, portanto, que uma forma de origeneísmo que nada tinha em comum com as doutrinas reencarnacionistas de Orígenes, foi condenada; condenada não pelo Concílio, nem pelo Papa, mas por alguns bispos subjugados pelo Imperador, numa sessão extra-conciliar.

As conclusões de uma comissão da Câmara dos Deputados não se transformam em lei, obrigando aos cidadãos, exceto se tiverem sido aprovadas pelo plenário e sancionadas pelo Presidente da República. Da mesma forma, as decisões de uma sessão extra-conciliar, que não foram aprovadas pelo Concílio e muito menos sancionadas pelo Papa, não têm qualquer valor jurídico no que respeita à autoridade doutrinária da Igreja.

Os estudiosos estão começando a negar que a Igreja Romana tivesse tomado parte nos anátemas contra Orígenes, insinuando que a Igreja laborou em erro, durante séculos, quando acreditou que o mesmo tivesse sido condenado. Entretanto, um resultado desastroso do engano cometido ainda persiste: a exclusão da doutrina reencarnacionista do credo cristão.

CONCLUSÃO_
A Reencarnação não é uma doutrina religiosa, mas uma lei natural. Mesmo que todos os teólogos, concílios e papas a tivessem condenado - e nada disto ocorreu - em nada alteraria sua existência e operação, da mesma forma que a desaprovação dos teólogos à tese de Galileu não impediu que nosso planeta, indiferente às pretensões humanas, continuasse, tranqüilamente, em sua órbita ao redor do astro-rei.

Para tranqüilidade da consciência religiosa de muitos dos leitores, resumindo o que acima foi escrito, podemos dizer que:

a] a Reencarnação era doutrina adotada pelos judeus, pelos discípulos de Jesus e pelo próprio Cristo, conforme os textos evangélicos citados;

b] a Reencarnação integrava o Cristianismo primitivo, conforme a palavra de seus proeminentes teólogos, doutores e padres da Igreja, até o ano 500;

c] a Reencarnação não foi condenada por qualquer autoridade eclesiástica investida de poder para tanto.

É por isso que o número sempre crescente de cristãos, que estão falando favoravelmente, juntamente com clérigos de todas as denominações religiosas, sobre a Reencarnação, aguardam que esta ‘verdade tradicional’, que até agora tem sido ensinada, ‘secretamente’, a um ‘pequeno número de pessoas’, seja proclamada a todos. Afinal, não está escrito que “as coisas que falastes aos ouvido serão apregoadas sobre os telhados?” [Luc. XII, 2-4]
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As labutas implicadas numa vivência complexa são muito maiores que os prazeres dela extraídos.

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[Texto de:Euclides Bordignon]

16 de fev. de 2010

Darcy Ribeiro _ O Povo Brasileiro


"Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..." Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro.
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“Povo Brasileiro”, livro de Darcy Ribeiro é leitura obrigatória da cidadania_ 14/12/2006
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O jornalista Ali Kamel, em artigo desta semana no jornal O Globo “Lições de Londres”, nos brinda com uma análise sobre a bela mistura de raças que compõe o povo brasileiro. E quanto o combate ao racismo é prejudicado pela exaltação das diferenças, quando na verdade deveríamos chamar a atenção para nossas semelhanças.
Isso nos lembra um dos nossos expoentes, o antropólogo Darcy Ribeiro, cujo livro “Povo Brasileiro”, de 1995, fala exatamente das origens do povo brasileiro. Mestre Darcy sem dúvida alguma foi um dos gênios de nossa raça. Pela multiplicidade de tarefas a que se propôs para além de uma visão da antropologia brasileira indiscutivelmente singular.
Ao contrário de nossos grandes intérpretes, que muito bem vasculharam nossas origens, como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Hollanda, Darcy faz uma antropologia apontada para um porvir como civilização, da qual estamos apenas a sentir as dores do parto. Uma nova Roma latina, tardia e tropical, como a definia.
Não bastasse isso, Darcy enveredou pelos caminhos acadêmicos, da administração educacional, da política parlamentar e executiva, da literatura, do ensaísmo e da crítica cultural. E em todos esses campos foi brilhante.
O livro “Povo Brasileiro” foi sua mais alentada obra, a mais difícil de parir e a última a que se dedicou até pouco antes de sua morte em 1997. Para além de uma antropologia etnográfica, o projeto revela o desenvolvimento de uma antropologia cultural, onde o lugar da educação pública de qualidade e de uma participação política da cidadania era condição essencial para a emancipação do povo brasileiro.
Em Darcy, a noção de povo não se choca com o conceito de cidadania consciente pela qual lutamos hoje em dia. Muito pelo contrário, costumava se auto-exigir de realizações políticas por quantos cargos ocupava, desde reitor na Universidade de Brasília, que ele mesmo criou, até ministro-chefe do gabinete civil do presidente João Goulart, que lhe custou 20 anos de exílio, passando por secretário da educação do Rio de Janeiro, sob o governo de Leonel Brizola, vive-governador e senador da República pelo mesmo estado.
Darcy considerava que, se a escola não educa, a igreja não catequiza, os partidos não politizam, as instituições, enfim, perdem seu poder de integração, restando apenas a mídia de massa a provocar desejos que não satisfaz, mas marginaliza e exclui, resta aos homens públicos essa tarefa ética de integrar os anseios de prosperidade dos povos.
E neste caso, a noção de povos não é a mesma do vocativo demagógico, mas de auto-referência étnica, da formação e sentido histórico de uma civilização.
E a maior contribuição deste livro, fundamental para a compreensão do que somos feitos, é a sistematização dos cinco povos e tipos antropológicos que compõem a nacionalidade brasileira: o Brasil crioulo produto do ciclo econômico da exploração do açúcar do litoral de toda costa nordestina e sudeste, o Brasil sertanejo do interior tomado dos índios para a criação de gado, o Brasil caboclo e amazônico do ciclo econômico da borracha e do extrativismo, o Brasil caipira da mestiçagem do ciclo do ouro, bandeiras e entradas pelo interior central das Minas, São Paulo, Mato-Grosso e Goiás, e, por fim, o Brasil gaúcho, resultante dos guaranis e dos mais variados gringos das colonizações dos pampas durante o século XIX.
Todo um processo civilizatório que tem nos povos do tronco Tupi o traço comum de tantas diversidades étnicas, de judeus lusitanos cristãos-novos a tribos africanas as mais distintas, nos séculos XVI, XVII e XVIII, até as colonizações de imigrantes europeus, asiáticos e árabes dos séculos XIX e XX.
Processo civilizatório caracterizado pela excepcional comunhão lingüística, da língua guarani sucedendo o português, além da instituição ancestral do cunhadismo, a que devemos nossa singular integração social, de brasilíndios a neobrasileiros, até nossos costumes culinários e de festas as mais sincréticas, mas que nos iguala a todos como “comedores de farinha”, como se referia a si mesmo o índio Uirá diante de Deus e à procura de sua identidade. Em suma: aqui todas os povos se encontram num único povo! O Povo Brasileiro, do saudoso mestre Darcy, é o que de melhor podemos ler para entendermos de que somos feitos, nos livrarmos de todo o preconceito cultural e nos emanciparmos enquanto plenos cidadãos. E não somente ler, mas ver, com a série homônima da TV Cultura, lançada em DVD numa parceria com a Fundação Darcy Ribeiro.
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Roda Viva_ Parte 1.



Roda Viva_ Parte 2.



Roda Viva_ Parte 3.


Roda Viva_ Parte 4


Roda Viva_ Parte 5



Roda Viva_ Parte 6


Roda Viva_ Parte 7


Roda Viva_ Parte 8


Roda Viva_ Parte 9

15 de fev. de 2010

Alguns Anos no Algures Absoluto_ Nazismo Original?!


[Segunda Parte]
[Capítulo V]
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Terra é oca. Nós habitamos no interior.
Os astros são blocos de gelo. Já caíram várias luas sobre a Terra. A nossa também cairá. Toda a história da humanidade se explica pela batalha entre o gelo e o fogo.


O homem não está acabado. Está à beira de uma formidável mutação que lhe dará os poderes que os antigos atribuíam aos deuses. Existem no mundo alguns exemplares do homem novo, vindos talvez de além das fronteiras do tempo e do espaço.

Há alianças possíveis entre o Mestre do Mundo e o “Rei do Medo”, que reina numa cidade escondida algures no Oriente. Aqueles que tiverem um pacto modificarão por milênios a superfície da terra e darão um sentido à aventura humana.

Tais são as TEORIAS “CIENTÍFICAS e as concepções RELIGIOSAS” que alimentaram o ‘nazismo original’, nas quais acreditavam Hitler e os membros do grupo de que ele fazia parte, e que fortemente orientaram os fatos sociais e políticos da história recente. Isto pode parecer extravagante. Uma explicação da história contemporânea, mesmo parcial, a partir de tais idéias e crenças pode parecer repugnante. Mas achamos que nada é repugnante no exercício da verdade.

Sabe-se que o partido nazi se mostrou antiintelectual de maneira franca, e mesmo ruidosa, que queimou os livros e classificou os físicos teóricos entre os inimigos “judaico-marxistas”. Em proveito de que explicações do mundo ele rejeitou as ciências ocidentais oficiais é o que muita gente ignora. Ainda menos se sabe em que concepção do homem se baseava o nazismo, pelo menos no espírito de alguns dos seus chefes. Mas, sabendo-o, situa-se melhor a última guerra mundial no quadro dos ‘grandes conflitos espirituais’; a história recupera o fôlego da “Lenda do Séculos”.

“Lançam-nos o anátema como a inimigos do espírito, dizia Hitler. Pois bem, é verdade, é isso que somos. Mas num sentido bem mais profundo do que a ciência burguesa, no seu imbecil orgulho, jamais sonhou”. É pouco mais ou menos o que ‘Gurdjieff’ declarava ao seu discípulo Ouspensky, depois de terminado o processo da ciência:”O meu caminho é o do desenvolvimento das possibilidades escondidas do homem.É um caminho contra a natureza e contra Deus”.

Essa idéias das possibilidades escondidas do homem é essencial. Ela conduz muitas vezes à rejeição da ciência e ao desprezo pela humanidade vulgar. Ao nível desta idéia, muito poucos homens existem realmente. Ser é ser diferente. O homem vulgar, o homem em estado natural não passa de uma larva o Deus dos cristãos não passa de um pastor de larvas.

O Doutor Willy Ley, um dos maiores peritos do mundo em matéria de foguetes, fugiu da Alemanha em 1933. Foi por seu intermédio que soubemos da existência, em Berlim, pouco antes do nazismo, de uma pequena comunidade espiritual de verdadeiro interesse para nós.

Essa comunidade secreta fundamentara-se, literalmente, num romance do escritor inglês ‘Bulwer Lytton: A Raça que nos há de Suplantar.’ Esse romance descreve homens cujo psiquismo é muito mais evoluído do que o nosso. Eles adquiriram poderes sobre si mesmos e sobre as coisas, que os tornam semelhantes a deuses. No momento, ainda se escondem. Habitam cavernas no centro da terra. Em breve sairão para nos governar.

Eis tudo o que o Doutor Willy Ley parecia saber. Acrescentava, sorrindo, que os discípulos julgavam possuir certos segredos para mudar de raça, para se tornarem iguais aos homens escondidos no interior da terra. Métodos de concentração, toda uma ginástica interior para se transformarem. Iniciavam os seus exercícios contemplando fixamente uma maça cortada ao meio...Nós prosseguimos nas investigações.

Essa sociedade berlinense à semelhança da lojas maçônicas, chamava-se: “A Loja Luminosa” ou “Sociedade do Vril”. O ‘Vril’ é a imensa energia de que nós não utilizamos senão uma ínfima parte na vida comum, o fator principal da nossa divindade possível. Aquele que se torna senhor do VRIL torna-se senhor de si próprio, dos outros e do mundo. [A idéia do “vril” encontra-se, originalmente na obra do escritor francês Jacolliot, cônsul da França em Calcutá na época de Napoleão III]. É a isso que devemos aspirar. É nesse sentido que devemos encaminhar os nossos esforços. Todo o resto faz parte da psicologia oficial, das morais, das religiões, do vento. O mundo vai modificar-se. Os Senhores vão sair das entranhas da terra. Se não tivermos feito aliança com eles, se não formos senhores, também nós, ficaremos entre os escravos, na estrumeira que servirá para fazer brotar as novas cidades.

“A Loja Luminosa” tinha adeptos na teosofia e nos grupos rosa-cruzes. Segundo Jack Belding, autor da curiosa obra “Os Sete Homens de Spandau” [Encontra-se a mesma indicação em “As Estrelas em Tempo de Guerra e de Paz, de Louis de Wohl, escritor húngaro que dirigiu durante a guerra a seção de investigações sobre Hitler e os nazis do Serviço de Informações Inglês], Karl Hausoffer teria pertencido a essa loja. Teremos muito que falar dele, e ver-se-á que a sua passagem por essa “Sociedade do Vril” esclarece certas coisas.

Talvez o leitor se recorde que descobrimos, atrás do escritor Arthur Machen, uma sociedade iniciática inglesa: a “Golden Dawn”. Essa sociedade neopagã, da qual faziam parte grandes inteligências, nascera da Sociedade Rosa-Cruz inglesa, fundada por Wentworth Littel em 1867. Litle estava em comunicação com membros da Rosa-Cruz. Recrutou os seus adeptos, em número de ‘144’, entre os dignitários maçãos. Um dos adeptos era Bulwer Lytton.

Bulwer Lytton, erudito genial, célebre em todo o mundo pela sua narrativa “Os Últimos Dias de Pompéia”, não esperava sem dúvida que um dos seus romances, dezenas de anos mais tarde, inspirasse na Alemanha um grupo místico pré-nazi. No entanto, em obras como “A Raça que nos há de Suplantar”, ou “Zanoni”, pretendia aludir às realidades do mundo espiritual, e mais especialmente do mundo infernal. Considerava-se um iniciado. Através da efabulação romanesca exprimia a certeza de que existem seres dotados de poderes sobre-humanos. Esses seres suplantar-nos-ão e conduzirão os eleitos da raça humana a caminho de uma formidável mutação.

É preciso prestar atenção a esta idéia de ‘mutação da raça’,pois viveremos a reencontrá-la em Hitler, [O objetivo de Hitler não nem a criação da raça dos senhores, nem a conquista do mundo; isso são apenas os meios para realizar a grande obra sonhada por Hitler. O verdadeiro objetivo era fazer a obra de criação, obra divina, o objetivo da narração biológica; o resultado será uma ascensão da humanidade ainda não igualada, “a aparição de uma humanidade de heróis, de semideuses, de homens-deuses”. Dr. Achille DelMas.]e ainda não extinguiu. É preciso também dar atenção à idéia dos “Superiores Desconhecidos”. Encontramo-la em todas as místicas negras do Oriente e do Ocidente. Habitando debaixo da terra ou vindo de outros planetas, gigantes semelhantes a esse que dormiriam sob uma carapaça de ouro nas criptas tibetanas, ou então presenças informes e terrificantes, tais como as descrevia Lovecraft, esses “Superiores Desconhecidos” evocados nos ritos pagãos e luciferianos existirão realmente? Quando Machen fala do mundo do Mal “cheio de cavernas e de habitantes crepusculares”, é a outro mundo, àquele onde o homem toma contato com os “Superiores Desconhecidos”, que se refere, como discípulo da “Golden dawn”. Parece-nos certo que Hitler partilhava dessa crença. Mais: que ele pretendia ter a experiência de contatos com os “Superiores”.

Citamos a “Golden Dawn” e a “Sociedade do Vril alemã”. Falaremos mais adiante do grupo de “Tule”. Não temos a loucura de pretender explicar a história por meio das sociedades iniciáticas. Mas veremos, curiosamente, que tudo teve importância e que através do ‘nazismo’, foi “o outro mundo” que exerceu autoridade sobre nós durante alguns anos. Foi vencido. Não morreu. Nem do outro lado do Reno, nem alhures. Isso não é horroroso, a nossa ignorância é que é horrorosa.

Já fizemos notar que Samuel Mathers fundara a Golden Dawn. Mathers pretendia estar em comunicação com esses “Superiores Desconhecidos” e ter estabelecido os contatos em companhia de sua mulher, irmã do filósofo ‘Henri Bergson’. Eis uma passagem do manifesto aos “Membros da Segunda Ordem”, que ele escreveu em 1866:

“A respeito desses Chefes Secretos, aos quais me refiro e de que recebi as instruções da Segunda Ordem que vos comuniquei, nada vos posso dizer. Nem sequer sei os seus nomes terrenos e só muito raramente os vi com os seus corpos físicos... Eles encontram-se fisicamente comigo, no tempo e no lugar antecipadamente fixados. Na minha opinião, creio que são seres humanos que habitam a Terra, mas que possuem poderes terríveis e sobre-humanos... As minhas relações físicas com eles mostraram-me quão difícil é para um mortal, por muito evoluído que seja, suportar-lhes a presença. Não quero dizer que, durante esses raros encontros que com eles tive, o efeito em mim produzido tenha sido o de depressão física intensa que se segue à perda do magnetismo. Pelo contrário, sentia-me em contato com uma força tão terrível que apenas a posso comparar ao efeito provocado numa pessoa que esteve perto de um relâmpago durante uma violenta trovoada, acompanhado por uma grande dificuldade de respirar...À prostração nervosa de que falei juntavam-se suores frios e perdas de sangue pelo nariz, pela boca e, por vezes, pelos ouvidos.”

Hitler conversava um dia com ‘Rauschning’, chefe do governo de Dantzig, a respeito do problema da mutação da raça humana. Rauschning, que não possuía a chave de tão estranha preocupação, interpretava as frases de Hitler como frases de um criador de gado que procurasse melhorar o sangue alemão.

“Mas não pode fazer outra coisa senão auxiliar a natureza, dizia ele, abreviando o caminho a percorrer! É preciso que a própria natureza lhe dê uma nova variedade. Até agora só raramente o criador obteve bons resultados, em relação à espécie animal, no desenvolvimento das mutações, quer dizer, em criar ele próprio novos caracteres.
- O homem novo vive entre nós! Já chegou!- exclamou Hitler em tom triunfante. - Isto não lhe basta? Vou dizer-lhe um segredo. Eu vi o homem novo. É intrépido e cruel. Tive medo diante dele.

“Ao pronunciar essas palavras, acrescenta Rauschining, Hitler tremia num ardor extático.”


E Rauschning conta também esta cena estranha, a respeito da qual se interroga em vão o Doutor Achille Delmas, especialista em psicologia aplicada. De fato, neste caso, a psicologia não se aplica:

“Uma pessoa da intimidade de Hitler disse-me que ele acorda durante a noite soltando gritos convulsivos. Pede socorro, sentado na beira da cama, como que paralisado. É possuído por um pânico que o faz tremer a ponto de sacudir a cama. Profere vociferações confusas e incompreensíveis. Arqueja como se estivesse a sufocar. A mesma pessoa relatou-me uma dessas crises com pormenores em que me recusaria a acreditar se a fonte não fosse de tanta confiança. Hitler estava de pé no seu quarto, cambaleante, olhando em redor com ar desvairado. “É ele! É ele! Ele esteve aqui!”, gemia. Os lábios tremiam-lhe. O suor escorria abundantemente. De súbito pronunciou números sem qualquer sentido, depois palavras, restos de frases. Era pavoroso. Empregava termos curiosamente reunidos, absolutamente extraordinários. Depois, novamente, voltava a ficar silencioso, mas continuava a mexer os lábios. Tinham-no então friccionado, e fizeram-no tomar uma bebida. Depois, subitamente, berrou: “Ali, ali no canto! Está ali!” Batia com o pé no chão e soltava gritos. Tranqüilizaram-no dizendo-lhe que nada se passava de anormal, e ele acalmou-se pouco a pouco. Em seguida, dormira várias horas e voltara a ser quase normal e suportável.” [Hermann Rauschining:”Hitler m’a dit. Edition Cooperation, Paris, 1939. Achille Delmas: Hitler, essai de biographie psucho-pathologique. Librairie Marcel Riviére. Paris, 1946].

Deixamos ao leitor o cuidado de comparar as declarações de Mathers, chefe de uma pequena sociedade neopagã do fim do século XIX, e os ditos de um homem que, no momento em que Rauschning os coligia, preparava-se para lançar o mundo numa aventura que provocou vinte milhões de mortos. Pedimos-lhes que não despreze essa comparação e a sua lição, a pretexto de que a “Golden Dawn” e o nazismo são, aos olhos do historiador razoável coisas completamente diferentes. O historiador é razoável, mas a história não o é. Sãs as mesmas crenças que animam os dois homens, e suas expectativas fundamentais são idênticas, a mesma força os impele. Pertencem à mesma corrente de pensamento, à mesma religião. Essa religião ainda não foi verdadeiramente estudada. Nem a Igreja, nem o racionalismo, que é outra igreja, o permitiram. Nós entramos numa época do conhecimento na qual tais estudos se tornarão possíveis porque a realidade desvendará a sua face fantástica, e idéias ou técnicas que nos pareciam anormais, desprezíveis ou odiosas, apresentar-se-ão úteis para a compreensão de um real cada vez menos tranqüilizador.

Não propomos ao leitor que estude uma filiação Rosa-Cruz-Bulwer Lytton-little-Mathers-Cowley-Hitler, ou qualquer outra filiação do mesmo gênero, onde também se encontraria Mme Blavatsky e Gurdjieff. O jogo das filiações é como o das influências em literatura. Acabado o jogo, o problema mantém-se. O do gênio da literatura. O do poder em história. A “Golden Dawn” não basta para explicar o grupo “Tule”, ou “A Loja Luminosa”, a “Ahnenerbe”. Existem, evidentemente, inúmeras interferências, passagens clandestinas ou declaradas de um grupo para outro. Não deixaremos de as assinalar. Isto é apaixonante, como toda a pequena história. Mas o nosso objetivo é a grande história.

Pensamos que essas sociedades, pequenas ou grandes, ramificadas ou não,conexas ou não, são as manifestações mais ou menos claras, mais ou menos importantes, de outro mundo diferente daquele em que vivemos. Digamos que é o mundo do Mal no sentido em que Machen o entendia. Mas também não conhecemos melhor o mundo do Bem. Vivemos entre dois mundos, tomando este no “man’s land” pelo próprio planeta inteiro. O nazismo foi um dos raros momentos da história da nossa civilização em que uma porta se abriu sobre outra coisa, de forma ruidosa e visível. É bastante estranho que os homens finjam nada ter visto nem ouvido, além dos espetáculos e ruídos vulgares da desordem guerreira e política.

Todos estes movimentos:Rosa-Cruz moderna, Golden Dawn inglesa, Sociedade do Vril alemã [que nos conduzirão ao grupo Tule no qual encontraremos Haushoffer, Hess, Hitler] tinham maiores ou menores ligações com a Sociedade Teosófica, poderosa e bem organizada. A teosofia juntava à magia neopagã uma solenidade oriental e uma terminologia hindu. Ou antes, abria os caminhos do Ocidente a um certo Oriente luciferiano. Foi sob a designação do teosofismo que se acabou por descrever o vasto movimento de renascimento do mágico que impressionou muitas inteligências no início do século.

No seu estudo “Lê Théosophisme: historie d’une pseudo-religion”, publicaso em 1921, o filósofo ‘Renê Guénon’ mostra-se profeta. Ele vê aumentarem os perigos por detrás da teosofia e os grupos iniciáticos neopagãos mais ou menos ligados à seita de Mme Blavatsky.

Escreve:

“Os falsos messias que até agora vimos fizeram prodígios de qualidade muito inferior, e aqueles que os seguiram provavelmente não eram muito difíceis de seduzir. Mas quem sabe o que o futuro nos reserva? Se pensarmos que esses falsos messias nunca foram senão instrumentos mais ou menos inconscientes entre as mãos daqueles que os suscitaram, e se no reportarmos em especial à série de tentativas sucessivamente feitas pelos teosofistas, somos levados a pensar que tudo isso foram apenas ensaios, de certa maneira experiências, que se renovarão sob diversas formas até que o êxito seja alcançado, e que, entretanto, sempre conseguem provocar certa perturbação nos espíritos. Aliás, não acreditamos que os teosofistas, nem os ocultistas ou os espíritas sejam capazes de realizar, por si mesmos e com pleno êxito, tal empreendimento. Mas não haveria, atrás de todos esses movimentos, qualquer coisa de igualmente temível, que os seus chefes talvez nem conhecessem e de que eram, por sua vez, simples instrumentos?”

É também a época em que uma extraordinária personagem, ‘Rudolph Steiner’, desenvolve na Suíça uma sociedade de investigações que se baseia na idéia de que o Universo inteiro está contido no espírito humano e que esse espírito é capaz de uma atividade sem nada de comum com o que a esse respeito nos diz a psicologia oficial. De fato, certas descobertas ‘steinerianas’, na biologia [os adubos que não destroem o solo], na medicina [utilização dos metais que alteram o metabolismo], e sobretudo em pedagogia [funcionam hoje na Europa numerosas escolas steineranas], enriqueceram consideravelmente a humanidade. Rudolph Steiner pensava que há uma forma negra e uma forma branca de investigação ‘mágica’. Achava que o teosofismo e as diversas sociedades neopagãs provinham do grande mundo subterrâneo do Mal e anunciavam uma era demoníaca. Apressava-se a estabelecer, no âmago do seu próprio ensinamento, uma doutrina moral incitando os “iniciados” a só utilizarem forças benéficas. Ele pretendia criar uma sociedade de benevolentes.

Não vamos por a questão de saber se Steiner tinha ou não razão, se era ou não senhor da verdade. O que nos impressiona é que as primeiras equipes nazis parecem ter considerado Steiner o seu inimigo número um. Logo de início, os seus agentes dispersaram por meio da violência as reuniões de steinerianos, ameaçam de morte os discípulos, obrigam-nos a fugir da Alemanha e, em 1924, na Suíça, em Dornach, ateiam fogo ao centro edificado por Steiner. Os arquivos ardem, Steiner já não está em condições de trabalhar e morre de desgosto um ano mais tarde.

Até agora descrevemos os antecedentes do fantástico hitleriano. Agora vamos realmente entrar no assunto. Floresceram duas teorias na Alemanha nazi:

 a Teoria do Mundo Gelado;e
 a Teoria da Terra Oca.

São duas explicações do mundo e do homem quem confirmam dados tradicionais, justificam mitos, verificam um certo número de ‘verdades’ defendidas por grupos iniciáticos, deste os Teósofos a Gurdjeff. Mas essas TEORIAS foram expressas com grande aparato político-científico. Quase expulsaram da Alemanha a ciência moderna tal como nós a consideramos. Foram aceitas por muitos espíritos. Além disso, determinaram certas decisões militares de Hitler, influenciaram por vezes a marcha da guerra e contribuíram sem dúvida para a catástrofe final. Foi levado por essas TEORIAS especialmente pela idéia do dilúvio sacrificial que Hitler pretendeu arrastar todo o povo alemão para a destruição.

Não sabemos por que razão essas TEORIAS,tão poderosamente afirmadas, às quais aderiram dezenas de homens e de grandes espíritos pelas quais se fizeram grandes sacrifícios materiais e humanos, ainda não foram estudadas por nós e continuam mesmo desconhecidas.

Ei-las a seguir, com sua gênese, sua história, suas aplicações e sua posteridade.
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[Texto extraído do Livro: O Despertar dos Mágicos_ Introdução ao Realismo Fantástico, de Louis Pauwels e Jacques Bergier. Editora: Difel]

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