29 de jan. de 2010

APEGOS COMO OBSTÁCULOS AO CRESCIMENTO


Uma compreensão do processo de apego pessoal a pessoas, objetos e idéias.

A atividade criadora é essencialmente a direção de energias;ou, em outros termos, um emprego de forças. Podemos atribuir duas fases ao processo criativo. A primeira lida com as forças de conseptualização, pelas quais formamos um resultado desejado em nossa consciência. Essa fase pode ser chamada de visualização. Depois, dirigimos as forças capazes de dar manifestação ao resultado desejado. Nesta segunda fase, a visualização continua, acompanhada das ações mentais e físicas apropriadas.

Essas duas fases só podem ser separadas analiticamente. Na maior parte do tempo funcionam simultaneamente [mesmo quando não estamos plenamente conscientes delas].É útil lembrar que as atividades criativas não precisam ser conscientes; na verdade, a mente humana está sempre criando. Mas, por enquanto, vamos restringir nossa análise ao trabalho criativo deliberado.

Uma coisa é certa: como envolve a direção habilidosa de forças em cada fase, a criatividade requer visão, decisão e poder. Conseqüentemente, se alguma coisa bloqueia nossa visão, ou nos faz vacilar, ou exaure nossas energias, torna-se uma barreira para a criatividade; tornando-nos menos poderosos, impede nossa consecução pessoal.

Os estudantes de misticismo estão envolvidos num trabalho muito importante. Incidentalmente, sentem a necessidade de criar novas situações e novas circunstâncias, tanto para autopreparação quanto para servir aos outros. Precisamente devido à importância do seu trabalho e à criatividade que ele requer é que cedo ou tarde eles se defrontam com uma exortação a que se libertem de apegos.

Ora, isso pode ser bastante incômodo. Tendo se tornado mais sensíveis e capazes de reação emocional, em virtude de estudo sério, provações, testes e consecuções, aquele conselho parece estranhamente inoportuno, como se tivesse o objetivo de privá-los exatamente das coisas que agora deveriam ser ainda mais desfrutadas. A recomendação de diminuir apegos parece a muitos uma solicitação no sentido de que se tornem arredios, de que se isolem de companhia humana e efetivamente renunciem ao gozo de um aspecto considerável da vida humana.

Entretanto,eliminar ou diminuir apegos não é equivalente a tornar-se alienado da vida humana. Nem significa tornar-se emocionalmente frio ou inumano nas relações com outras pessoas. Antes, tem a ver com ‘libertar a consciência’. Em termos simples, a eliminação de apegos permite o avanço para um nível mais alto de consciência ou perceptibilidade. Dessa perspectiva mais elevada, o estudante pode encarar os eventos da vida com mais percepção; e, devido a essa perspectiva mais abrangente, dirigir energias mais proficientemente.


O SIGNIFICADO DO APEGO
Para compreendermos como pode ser isso, precisamos explorar mais o conceito de apego. Que significa “apego?” Pode-se definir apego como um sentimento que liga uma pessoa a outra pessoa, a uma coisa, uma causa ou um ideal. E há conotações correlatas de estar amarrado. Assim, duas coisas se destacam nessa definição: uma ligação e um mecanismo emocional.

Comumente, no tocante ao indivíduo, a palavra ‘apego’ sugere algo que ele está tentando manter ou a que está tentando se agarrar, a um grau em que está aparentemente amarrado a isso. Portanto, vamos começar explorando esta idéia de apego pela consideração da causa desse desejo de agarrar-se ao objeto de apego.

Evidentemente, as pessoas se agarram a coisas tão tenazmente porque sentem que, se as soltassem ou perdessem, isto iria de algum modo diminuir o ego ou reduzir sua importância. Esta idéia vem de nosso hábito de associar objetos do nosso ambiente a nós mesmos, de um modo tal que esses objetos ou essas posses parecem fazer parte de nós. Na linguagem da psicologia social, os objetos tornam-se parte do nosso EU expandido,do ambiente ou espaço imediato exterior a nós mesmos, sobre o qual exercemos controle. Cognitiva e emocionalmente, esse ego expandido é incorporado à auto-imagem da pessoa, levando a comportamentos que defenderão e ajudarão a reter os objetos em questão.

Além disso, estamos culturalmente condicionados a medir nosso próprio valor e o valor dos outros seres humanos por quantidades; isto é, por acumulações disso ou daquilo. Com efeito, a medida das posses torna-se a medida da pessoa. Dado esse condicionamento, é uma tendência natural um indivíduo apegar-se a suas posses.

Posses, como a palavra está sendo usada aqui, podem incluir coisas intangíveis como títulos, graus, cargos, e mesmo conceitos e teorias. Mas por favor entenda o leitor que posses em si mesma não são o ponto desta análise. Se fossem, estaríamos apenas enfocando a ganância ou cobiça. Na realidade, precisamos evitar qualquer concentração estreita em posses, porque objetos de apego podem ser também pessoas, grupos, causas, localidades, ou períodos de tempo. Além do mais, a natureza da coisa é irrelevante.

APEGO COMO UM PROCESSO
Vamos transcender essa focalização em objetos. É vital perceber que objetos não são apegos. O apego é um ‘processo’ e os objetos são apenas um ponto focal para esse processo. É por isto que o caráter do objeto tem tão pouco importância. Seja ou não um objeto percebido como bom ou mau, ele pode facilmente tornar-se o foco do apego. Portanto, não está em questão o objeto e sim um fenômeno mais abrangente que transcende meros objetos. O apego é o resultado de uma seqüência de ações que inclui adquirir, possuir e manter. Por conseguinte, é do processo de apego que devemos nos ocupar.

Que é, então, esse processo? Em outras palavras, como se formam os apegos? Muito facilmente, ao que parece. Quando um objeto é identificado na consciência, uma energia é investida nele. Se esse processo continua, é alcançado um ponto em que existe um investimento algo permanente das energias da consciência. Com essa permanência, dá-se um apego. É por isto que qualquer coisa em que as energias da consciência podem ser investidas pode se tornar um objeto de apego.

O apego freqüentemente resulta de dirigir conscientemente energias. Muitas vezes formamos apegos intencionalmente; ou seja, tomamos a decisão de comprometer nossas energias pessoais. Entretanto, somos todos sujeitos à formação de hábitos. As coisas que fazemos com suficiente freqüência tornam-se habituais. Esse mecanismo de formação de hábitos é na realidade nada menos que o investimento de energia relativamente permanente, que constitui o apego.

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“É essencial ao desenvolvimento do SER aprender a ver a si mesmo como o EU interior; não como ‘incrustações’, atributos, atribuições ou posses. É um equívoco atribuir muita importância a qualquer coisa externa, por mais emocionalmente satisfatória ou aparentemente significativa que seja.”
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Desperdícios de energia podem também ocorrer com relação a apegos conscientemente aprovados. Coisas associadas, correta ou erroneamente, ao foco do apego, podem se tornar elas próprias novos focos. Isto pode acontecer facilmente se o elo entre elas e o objeto original não é questionado, ou se seu próprio mérito não é examinado. Pertencem a essa categoria coisas como aquisições culturais, isto é, prescrições e proscrições, definições da realidade, e assim por diante. Incluem-se também crenças e superstições, muitas da quais são comumente aceitas pelo indivíduo ‘in totum’ e sem questionamento.

Reiterando, então, o apego nada mais é que um processo em que investimos persistentemente nossas energias mediante uma direção volitiva, ou em que permitimos um desperdício de energia por força de hábito ou por não estarmos conscientes disso. Uma vez estabelecidos, os apegos continuam exaurindo nossas energias. Essas energias são então perdidas, no sentido de que fluem por seu próprio potencial.

Que os apegos não resultam necessariamente de direção, consciente é um ponto que merece ênfase. Muitos apegos podem existir de maneira totalmente desconhecida, insuspeita até, de modo que nossas energias pessoais podem ser gastas sem a nossa decisão. Na verdade, a própria simplicidade do processo de formação do apego constitui uma grande parte do problema.

APEGOS INIBIDORES
Vamos abordar essa questão do apego de um outro ângulo. É um objeto de apego algo a que estamos nos prendendo ou, inversamente, algo a que fomos ligados? Na realidade, ambas as coisas. Um apego tem menos a ver com o que temos e mais com algo que ‘tem a nós’. Mas é importante enfatizar que os apegos não são objetos que se agarram a nós. Objetos não tem poder ou capacidade para fazer isso. Pelo contrário, nós é que nos apegamos a eles.

Simplesmente, objetos de apego, sejam eles bens materiais, pessoas, idéias ou qualquer outra coisa, tornam-se assim porque colocamos energia neles. Sentindo necessidade de nos prendermos a ele, como se temêssemos perdê-los, investimos consciência nessas coisas que são exteriores a nós, de maneira que nos permitam conservá-las ou manter controle sobre elas. Somos nós que ligamos nossas energias a objetos e é assim que chegamos a ficar presos por apegos. Consciente ou inconscientemente, essa ligação é feita por nós mesmos.

Mesmo assim, que problema existe realmente num apego? Simplesmente o seguinte: ele é adverso ao progresso do SER, porque prejudica o autoconhecimento, bloqueia a visão interior, inibe a tomada de decisões e exaure as energias criativas. Ora, uma declaração tão forte requer explicação.

O investimento de energias num objeto de apego dá vida própria a esse objeto, por assim dizer. Ele se torna reificado, quer dizer, uma coisa em si mesma. E, como assume existência própria, tende a se tornar congelado em imagem, uma realidade fixa. E por ser aceito como uma realidade inalterável, reage de maneira inibidora sobre qualquer coisa a ele associada.

O apego a objetos do ego expandido inibe o verdadeiro autoconhecimento. É essencial ao desenvolvimento do SER aprender a ver a si mesmo como o EU interior; não como ‘incrustações’, atributos, atribuições ou posses. Misticamente falando, é um equívoco atribuir muita importância a qualquer coisa externa, por mais emocionalmente satisfatória ou aparentemente significativa que seja.

Vamos considerar novamente as posses. Objetos materiais podem ser acumulados como uma compensação para as privações das necessidades da vida. Um outro motivo para adquirir e manter bens materiais é o poder sobre os outros. E uma terceira razão é a vaidade por uma evidência de sucesso.

Mas as pessoas dão importância demais a essas coisas. Por um lado, tornam-se sentimentais quanto à origem de seus bens. Por outro lado, tornam-se muito defensivas quanto à retenção ou perda dessas coisas valorizadas, no futuro. Tremendas energias são necessárias para adquirir, manter e defender bens materiais.

CRIANDO FALSAS IMAGENS DE SI MESMO
O duplo problema, então, é que energias são bloqueadas e ligadas a realidades que só servem para dar à pessoa uma ilusão de força e uma falsa segurança neste mundo material efêmero.

As pessoas permitem que muito da imagem que tem de si mesmas se torne dependente dessas posses materiais. Embora o avarento seja muitas vezes usado como exemplo de apego a coisas materiais, muitas pessoas são igualmente apegadas a suas posses, poucas ou muitas, se não por causa de seu valor intrínseco, então por sentimentalismo. Focalizadas nesses objetos, elas estão presas a realidades materiais e, não, livres para se mover sem grilhões no mundo. Além disso, outras pessoas podem manipulá-las controlando, fornecendo ou ameaçando suas posses.

Certamente, embora possa haver objeção, existem apegos nobres. Por exemplo, há alguma coisa errada num ‘sentimento que liga alguém’ a uma pessoa, um grupo ou uma idéia? Talvez não, desde que essa ligação seja consciente e voluntária, no sentido de um compromisso analisado.Mas o hábito intervém e a direção consciente é transformada em habitual. E esse caráter automático é perigoso. Embora seja verdade que o heroísmo freqüentemente resulte de uma ligação emocional a um ideal ou mesmo a uma pessoa, todos já testemunhamos as tragédias que podem resultar de pessoas serem irrestritamente leais a um indivíduo, um grupo ou uma idéia.

Com o apego a pessoas, grupos ou relacionamentos, vem a dependência do conceito de si mesmo em relação a outrem. E essas outras pessoas podem manipular e controlar. O indivíduo conhece pouco de si mesmo fora das relações com os outros. Quanto mais importantes são esses outros indivíduos, mais podem controlar, mais influenciam. Para se ajustar a eles, a pessoa tem de violar os conselhos do EU interior ou se recusar totalmente a escutar a voz do EU interior. Na busca da validação externa, é comum uma terrível necessidade de aprovação a qualquer custo pessoal.

AS ILUSÕES DO PENSAMENTO
O apego a idéias ou conceitos não é nada melhor. Nenhum conceito faz plena justiça à verdade. Afinal, todas as idéias são apenas ilusões, úteis ou prejudiciais. A visão é bloqueada pelo apego, porque a pessoa não pode ver o novo a menos que a possibilidade de uma nova visão seja admitida. O apego impede as pessoas de verem coisas novas ou diferentes, ou de verem velhas coisas de novas maneiras. E elas não apenas deixam de ver; nem sequer procuram. Assim, sua realidade se torna tipicamente fixa. Só uma catástrofe pode abalar seu conjunto de crenças. No âmbito pessoal, essa fixidez é equivalente a não-adaptabilidade; no âmbito social, é causa de revolução.

Talvez o mais poderoso apego no campo das idéias seja às criações pessoais. Mais progresso tem sido obstruído por isso do que por qualquer outra causa. Mais deturpação de ciência e pesquisa tem ocorrido por causa disso do que se pode avaliar. A força desse tipo de apego chegou a impelir um cientista famoso a deturpar a realidade para ajustá-la a suas idéias. Ele foi flagrado desgastando uma pedra saliente na Grande Pirâmide de Quéops, porque suas medidas estavam ligeiramente em desacordo com sua teoria!

As mais das vezes, é à atual imagem de si mesma que a pessoa se apega. Quaisquer que tenham sido as razões, essa imagem foi cuidadosamente construída e reforçada com atavios externos simbólicos. O resultado é a fixação de métodos e modos de agir. Para impedir mudanças, há uma necessidade urgente de controle. Esse tipo de pessoa está sempre querendo impor seu jeito pessoal, egocêntrico. Outra manifestação de apego a uma auto-imagem arraigada é a forte fixação no corpo físico ou em seus adornos. Outra ainda é o medo, a falta de coragem, a confiança exclusiva em procedimentos ou métodos conhecido ou comprovados.

O apego prejudica a plenitude da vida no presente, porque está caracteristicamente relacionado com o passado e o futuro. Tendemos a nos apegar às coisas do passado, tentando reviver os momentos que elas simbolizam. Inversamente, há coisas que esperamos alcançar no futuro é, de certo modo, gastamos tempo e energia possuindo-as mentalmente por antecipação.

Há também o apego generalizado ao passado e ao futuro, isto é, a épocas recentes, remotas ou projetadas. Uma manifestação disso é a preocupação com memórias, no sentido de constantes lembranças. Isto funciona como uma poderosa defesa contra as realidades do presente. Por outro lado, aqueles que se apegam ao futuro empenham-se em planejar, fazendo-o incessantemente, sem qualquer concretização. Esta é mais uma defesa contra viver plenamente no presente.

Até aqui estivemos lidando com apegos em grande parte no sentido de decisão consciente. Energias podem ser continuamente dirigidas para uma multiplicidade de objetos externos, sabiamente ou não. Se conscientemente dirigidas, elas podem ser conscientemente retiradas do processo. Energias que fluem por si mesmas ficam perdidas para outros usos. O resultado é dissipação e desperdício, tanto pior que isso acontece inadvertidamente.

Entretanto, muitos apegos podem ser formados sem nenhuma consciência do processo ou de seus resultados. Muitos resultam de condicionamento cultural. São os apegos propostos pela sociedade: os “deve-se isso, não se deve aquilo”.

O EU E A REALIDADE
O SER não deve ter por deuses coisas externas como posses, pessoas, ou mesmo metas. Isso não deve acontecer conscientemente nem por um processo inconsciente traiçoeiro. A realidade do indivíduo deve estar ancorada somente no EU e para esse EU deve ele se voltar em busca de significado e plenitude de vida.

O apego não é nenhum número de valores ou de objetos valorizados. É uma valorização no sentido de atribuição rígida de valor feita pelo próprio indivíduo. E as energias criadoras não são meramente retidas pelos objetos de apego; são continuamente dirigidas para eles, do suprimento disponível para uso imediato. Alimentar esses numerosos apegos é um processo ativo, mesmo que ele prossiga inconscientemente. É um processo que consome energia e consciência. O poder de direção, portanto, é seriamente diminuído por apegos, porque as energias disponíveis já estão em uso, comprometidas.

Assim sendo, a razão para a exortação a que se a pessoa se livre de apegos está em que eles constituem sérios bloqueios ao processo criativo, tanto na visualização quanto na manifestação de coisas novas. Por conseguinte, essa exortação é um convite ao aumento do poder pessoal. Menos embaraçado por apegos, o indivíduo pode criar o que é necessário e pode fazê-lo no momento mais propício.

Neste ponto é preciso enfatizar que o apego e prazer não são sinônimos. Isto é, objetos materiais e expressões imateriais, bem como pessoas, podem ser legítimas fontes de prazer. Pessoas proporcionam a motivação para o SER prestar serviço útil. Coisas materiais, também, de modo algum são prejudiciais a que se alcance um estado superior de consciência, a menos que haja apego. Bens materiais, dinheiro, propriedades, são apenas formas de energia. Justificadamente, essas coisas fluem para o SER na quantidade apropriada, para serem devidamente empregadas; mas o SER não investe energia demais nelas, ao ponto de ter apego.

É PRECISO RENUNCIAR?
A História oferece exemplos de indivíduos que aparentemente foram capazes de renunciar a bens materiais, relações humanas, ou ambas as coisas. Sem dúvida, isto ainda ocorre hoje em dia. Mas para aqueles que precisam viver conforme a sua época na sociedade em geral, essa renúncia parece extremamente difícil, se não impossível. E o fato é que essa grande renúncia é desnecessária. Não são os objetos, nem as pessoas, nem as idéias, que são prejudiciais à consecução. O elemento prejudicial é o apego a essas coisas.

Alguns exemplos de objetos de apego típicos já foram dados. Naturalmente, uma lista completa seria interminável. É melhor compreender a natureza geral do apego, como um processo. Na realidade, todos temos apegos pessoais, ocultos ou evidentes. Portanto, tendo considerado a natureza geral e o significado do apego, vamos considerar uma questão mais crucial: que podemos fazer a respeito de apegos em nossa vida pessoal?

Podemos realmente fazer bastante, se tivermos coragem de agir. O apego a coisas e pessoas está mais sob nosso controle do que costumamos admitir. Por conseguinte, é sábio examinarmos periodicamente nossos apegos pessoais, pois a natureza deles revela muito a nosso respeito. Especialmente, sua natureza mostra onde nos sentimos fracos quanto a nós mesmos, a tal ponto que temos de resguardar nossa auto-imagem apegando-nos a esses fatores externos.

O apego é evidente na maneira como defendemos nossas posses, idéias, criações, e nossos conceitos [por orgulho], a despeito de sua validade ou utilidade. Quanta energia é desperdiçada nesse empenho por pessoas que podiam evitar isso! Muitos apegos são alimentados e se permite que se desenvolvam, muitas vezes com plena consciência de um crescente envolvimento emocional e, muito freqüentemente, contrariando a voz da Consciência.

O Há duas coisas a que o SER não se pode dar o luxo, são: displicência e dissipação de energias. Como já foi dito, o SER tem um trabalho importante a fazer, que consiste em dirigir forças, e essa atividade diretora requer energias. A prática do misticismo é realmente jubilosa e compensadora, e também envolve preparação, disciplina e serviço. Conseqüentemente, os comportamentos da ‘pessoa comum’ são muitas vezes inaceitáveis na vida mística. O que pode ser feito com segurança depende do trabalho que o indivíduo tem a fazer.

O PAPEL DO MÍSTICO NA VIDA
O desperdício de energia é uma tragédia para a pessoa consciente. O verdadeiro estudante está sempre ocupado dirigindo corretamente energias para fins de desenvolvimento pessoal e para prestar serviço outrem e, portanto, não dispõe de energia para desperdiçar nem de tempo para esbanjar. Além disso, não depende de coisas ou condições aparentemente fixas, mas adapta-se plenamente ao mundo das mudanças, ao mundo do presente. Isto implica não estar limitado a apegos do passado ou ao futuro, a objetos ou lugares, nem sustentado pela falsa segurança desses apegos. O místico é livre para se mover e mudar para ser tudo o que pode ser. O estudante desperto decide conscientemente o que é que tem valor, não por aceitar as indicações de outrem, ou valorizando uma coisa somente porque a possua ou não, ou porque ela tenha sido perdida.

Uma coisa são os apegos de que temos consciência. Afinal, sabemos que eles existem e tomamos evidentemente a decisão de dirigir nossas energias nesse sentido. Pelo menos trata-se de uma decisão consciente, mesmo que nem sempre seja sábia. Mas, e os apegos de que não temos consciência? Aí está a triste fonte de muito desperdício de energia, gasta sem nosso conhecimento. Durante meses, anos, vidas inteiras, esses apegos exaurem continuamente nossas energias, bloqueando nossa criatividade e obstruindo o caminho para uma realização pessoal mais efetiva e maior serviço a outrem.

Os apegos são mais facilmente abandonados por pessoas fortes, confiantes. Pessoas fracas, que se prendem mais criticamente às coisas, são menos aptas a abandoná-las e, muitas vezes, tem de ser privadas de seus objetos de apego para que percebam sua verdadeira posição. A reavaliação, que nos é forçada pelos traumas da vida, há de periodicamente nos expor como somos e revelar apegos cujas energias precisamos recuperar.

Mas podemos descobrir apegos de um modo menos doloroso. Como? Meditando com este objetivo, que é o meio mais seguro. Podemos também tomar consciência de certos comportamentos sutis e habituais que, em si mesmos, constituem ou resultam de apego. Sem dúvida, muitos apegos existem somente porque não são descobertos. Por exame, portanto, podemos fazer a descoberta pessoal de apegos. Alguns, podemos então enfrentar e eliminar, outros, podemos achar tão ridículos que desapareçam à primeira luz desse exame.

Não precisamos nos tornar vitimas de perdas desnecessárias de energia. Não devemos perder nosso poder diretor, próprio do domínio pessoal, deixando que energias sejam exauridas por apegos insensatos. Quando apegos são dissolvidos, energias são liberadas para uso mais nobre. Libertado de apegos, o SER é um criador mais poderoso, com mais energias livremente ao seu comando, para serem prontamente empregadas para serviço no único tempo real: “agora”. Descoberta, exame e eliminação de apegos são fatores importantes para a compreensão da vida. Estejamos atentos aos nossos apegos, pois precisamos ser dirigidos. [Texto de Herbert George Baker]

SIGA O FLUXO


Qual é o ingrediente mágico de nossa vida que nos faz sentir ‘ligados?’ Como podemos encontrá-lo? Ontem eu antecipei um dia deprimente, a despeito do Sol. Meu humor inarmônico foi intensificado pela agitação dos bazares de rua. Caminhei na pesada atmosfera da multidão, limpando a garganta algumas vezes, na esperança de limpar minha mente de seu estado grogue de ensolarada confusão, em que nada combinava, se ajustava, ou se harmonizava.

Logo me vi encalhada num grupo diante de uma barraca de plumas. Leves como um fluido sutil, delicadas e suaves, as plumas me aliviaram. Respirei profundamente, e para fora esvoaçaram as plumas da minha cabeça. Minha visão limpou. Peguei um prendedor de pluma e o enfiei no meu cabelo. O prendedor e o cabelo eram castanhos, bronzeados, e dourados nas extremidades. Senti o começo de uma ligação dinâmica, uma dança de volta à vida.

Como tinha mudado o meu humor? Que nome podemos dar ao evento fugaz que causara a mudança? Nos campos de filosofia, ciência física, saúde holística, psicologia e dança, há um consenso de que esse fenômeno é denominado “fluxo, um processo de movimento mental, emocional ou físico, básico para todas as atividades completadas com êxito.”

Cinco dançarinos, como algas marinhas delicadamente enroscadas, na beira do oceano e movendo-se com a maré, elevando-se juntas. Corpos quentes, e a respiração; costas roçadas, um braço na cintura, que se vai depois para se unir a uma outra mão. Coerção capitulada a um oceano existencial e, para além da fronteira do espaço dos dançarinos, tudo o mais vai desaparecendo.

Isso é fluxo, em dança improvisacional bem-sucedida.Escreve o psicólogo Dr. Mihaly Csikszentmihaly, no número de junho de 1976 de ‘Psicologia Hoje’: “quando estamos completamente imersos no que estamos fazendo e perdemos o senso de ego e de tempo, estamos num estado de ‘fluxo’. A pessoa ganha uma consciência intensificada de seu envolvimento físico com a atividade, e seu gozo é enormemente reforçado”. Transferimos a ação de um campo cerebral para um lugar físico de total absorção.

O Dr. Csikszentmihalyi entrevistou 125 pessoas em várias atividades e constatou que a maior recompensa era o estado alterado de ser que ocorria quando elas mais estavam gostando da atividade – aquele estado alterado de ‘fluxo’. Um alpinista disse: ”você fica tão envolvido no que está fazendo que não pensa em si mesmo como algo à parte do ato imediato”.

O FLUXO DA VIDA:
Em seu livro, ‘Dança Moderna’, Gay Cheney e Janet Strader apresentam dicas para se fazer dança improvisacional, que lembram muito as descobertas do Dr. Csikszentmihalyi a respeito do fluxo. Por exemplo, ele verificou que as pessoas que estão em fluxo vivem uma intensa focalização da atenção na atividade, de modo que a concentração se torna progressivamente intensa e automática. “O jogo é uma luta, mas a concentração é como respirar - você nunca pensa nela”, disse um exímio jogador de xadrez. Cheney e Strader dizem que os dançarinos ficam totalmente “dentro” da dança. “Dentro” é um estado em que todas as considerações externas, inclusive de tempo, são menos importantes do que a improvisação. A pessoa não está preocupada com sua aparência ou com o que vem depois. Como na concentração do jogador de xadrez, “você nunca pensa nela”.

Como não há senso de ego no fluxo, segundo o Dr. Csikszentmihalyi, um jogador de tênis nãopergunta, “será que estou indo bem?” Se o momento é dividido, de sorte que o jogador percebe sua ação de fora, então o fluxo cessa. Analogamente, se uma dançarina sai daquele estado de “dentro”, perde seu fluxo. Para conseguir e m anter o estado de “dentro”, Cheney e Strader sugerem a focalização num outro ponto [ nomovimento, no ritmo, ou em coisas tangíveis como uma barra para exercício de dança].

Um outro fator no fluxo é a clareza da resposta que o indivíduo obtém da atividade, o senso interno de correção. Mas ele não se detém para avaliar isso. Um jogador de basquete disse numa entrevista que, se ele tinha um grande jogo, só percebia isto depois que o jogo terminava. Analogamente, enquanto o corpo e a mente da pessoa não funcionam juntos no mesmo instante, ela permanece mentalmente na periferia da dança. Não há senso de correção ou centralidade. A pessoa está apenas observando e não fluindo.

Não deve ser inferido que, nessa condição, há um abandono do controle, pelo contrário, o participante vive um alto senso de controle. O jogador de xadrez diz, “embora eu não tenha consciência de coisas específicas, tenho um sentimento geral de bem-estar e estou em total controle do meu mundo”. Fluir em dança cria na pessoa um fantástico senso de autoconfiança, autocontrole, em uma poderosa ligação com o fluxo da vida. Cheney e Strader comentam: “um dos importantes resultados da improvisação de dança bem-sucedida é o desenvolvimento de sua sensibilidade – ao tempo, ao espaço, à energia, e a outras pessoas”. Acima de tudo, a pessoa desenvolve sensibilidade para com ela própria. Finalmente, um dançarino de rock disse ao Dr. Csikszentmihalyi:” se eu tenho espaço suficiente, sinto que irradio energia para a atmosfera. Eu me torno uno com a atmosfera”.

TORNE-SE UNO COM A MÚSICA:
Na dança, meu estado pessoal mais elevado ocorre quando eu me torno uma com a música. Então, através do fluxo, EU SOU a música. A primeira vez que esse espantoso fenômeno aconteceu, eu estava dançando sozinha em casa, ao som de blues. Descontraída, eu podia escutar com uma intensidade que me tornava absorta nos sons. Pressões externas e considerações quanto a outro tempo e espaço, desapareceram. Eu dancei totalmente centrada, mente e corpo, dentro da música.

Deu-se então o segundo passo para eu me tornar a música. Perdi a consciência do meu Corpo como uma entidade à parte que reagia à musica em termos de pés, mãos, e quadris movendo-se com pequenos vácuos de tempo entre ouvir e o movimento, para assimilar a dança à música. Em lugar disso, houve um acontecimento simultâneo: a presença da música e minha reação a ela na movimentação do corpo existiam ao mesmo tempo, juntas. Eu acreditava que não havia a menor brecha de tempo ou espaço cortando essa corrente existencial. No entanto, mesmo nesse ponto do processo eu tinha uma consciência profunda de que meu corpo continuava controlando o movimento; não um conhecimento intelectual [eu não pensava nisso], mas antes uma consciência intuitiva. Embora eu me sentisse extremamente centrada, as três entidades, música, movimento e corpo, continuavam separadas, com o corpo no comando. Portanto, pensando melhor, havia sim brechas imperceptíveis.

Aconteceu então uma coisa espantosa. Eu avancei um pouco mais e a experiência se concretizou. De súbito vi mentalmente formas e linhas criadas pela presença da música. Por certo não eram formas físicas. Não estavam apoiadas sobre o solo ou dispostas no sofá. Não obstante, eram reais. E eu ‘era’ aquelas formas, no sentido de que meu corpo, enquanto dançava, ia assumindo as mesmas. Eu era o fino e ondulante canto d uma flauta, o tom cheio e pressagioso de uma batida de tambor.

Nesse ponto do processo de fluir, minha mente não dirigia o movimento do meu corpo. As três entidades de música, pessoa e movimento estavam, verdadeiramente, afinal unidas, cada qual assumindo igual responsabilidade pela ação. Instantaneamente os sons musicais tornaram-se formas e minha mente observava deleitada, como um espectador interessado, meu corpo recriando as formas. ‘Eu tinha me tornando a música’.

Não sou a única dançarina que sentiu isso. No livro, ‘A experiência da Dança’, de Myron Nadel, já a seguinte citação de Alexander Sakharoff: ”nós, Clotilde Sakharoff e eu, não dançamos ao som da música, ou com acompanhamento musical; nós dançamos ‘a música’. E acrescenta ele que Isadora Duncan lhe ensinara isso – “para Isadora, não havia música de dança, e sim música pura executada como dança”.

TRANSCENDENDO O ESTADO MENTE-CORPO
Em seu livro sobre bio-retro alimentação, ‘Nova Mente,Novo Corpo’, a cientista Bárbara Brown discute as possibilidades futurísticas de se traduzir a atividades das ondas cerebrais em música e arte. “Alguns laboratórios, inclusive o meu”, diz ela, “já desenvolveram formas primitivas de biomúsica. A idéia de transformar sinais biológicos em formas musicais ou artísticas esteticamente aceitáveis parece oferecer, teoricamente, novos e excitantes tipos de terapias. A música e/ou a arte produzidas pelas funções da mente e do corpo e fielmente traduzidas, não apenas representam o ser da pessoa, mas ‘são’ literalmente o ser da pessoa”.

Essa declaração da Senhora Brown, comprova minha descoberta de que a essência da pessoa pode mudar de um estado mente-corpo para um estado musical. Eu não criei a música originalmente, como ela argumenta. Transformei sons externos já existentes [a música] em estados mentais que meu corpo traduziu para formas em movimento. Inverti o processo ou suplementei o ciclo. Mas, independentemente da direção da energia elétrica do fluxo, estou convencida de que quando entramos totalmente no processo de tipo meditativo do fluxo, alguns de nós, dançarinos, podemos nos tornar a música e realmente o fazemos.

Ampliando a idéia do fluxo de modo a incluir a saúde holística, Manocher Moviai, Diretor do Centro Breema Shiatsu de Albany, Califórnia, orienta-nos no sentido de ‘seguir o fluxo’. As técnicas de cura que ele ensina sustentam que somos o Universo por natureza; que as leis que regem o Universo podem ser aplicadas a nós e que, se trabalhamos com essas leis, aceitando o que existe e usando esses elementos, entramos em equilíbrio com a natureza. Moviai acrescenta: “quando estamos em equilíbrio com a natureza ‘fluímos’, e estamos bem”. Quando lhe perguntam como Hara, a força ou energia vital do corpo, é controlada de modo a entrarmos nesse fluxo, ele responde com um paradoxo: ‘Hara é o ponto inicial e terminal de todos os caminhos da energia, mas nem todo caminho tem um começo e um fim”.

Embora essa observação seja metafísica,as aulas do Sr. Moviai, são práticas, porque tratam da maneira correta de respirar, acentuando os aspectos positivos de nossa vida para conseguirmos o fluxo. “Quando estivermos nele, não faremos as perguntas”, diz ele, “pois, quando estamos em fluxo, nenhuma parte de nós fica do lado de fora olhando para dentro e fazendo perguntas, que não são então necessárias”. Segundo o Sr. Moviai, começamos com a vitalidade que realmente temos; usamos a substância que de fato possuímos. Sintonizamo-nos com nós mesmos. Como na dança improvisacional, passamos para “dentro” e nos sentimos realizados.

Um enfoque filosófico do fluxo é apresentado por John Dewey, quando ele fala de “ter uma experiência”, em seu livro, ‘A Arte como Experiência’. Diz ele: “na experiência real, que é uma situação completa em si mesma, que se destaca do que veio antes e do que se segue, cada parte sucessiva flui livremente, sem costura e sem hiatos, para aquilo que resulta. Devido a essa contínua interfusão, não há buracos, junções mecânicas, nem centros mortos”. Para Dewey ter “uma experiência” é “influir”.

E ele prossegue dizendo que, na verdadeira experiência, diferentes atos, episódios e ocorrências, fundem-se num unidade. “Colhe-se a impressão de que há primeiro duas entidades independentes e já prontas, que são então manipuladas de modo a dar origem a uma terceira”. [Como acontece na dança improvisacional bem-sucedida].

O FIM É UM COMEÇO:
Dewey indica também como a ação terminal é importante no fluxo. Se uma atividade foi tão automática que não permitiu um senso do que ela significa e de para onde está se desenvolvendo, o que resulta é hábito e não percepção sensível.”A ação chega a um fim, mas não a um fecho ou uma consumação na consciência. O encerramento correto de um circuito de energia é o oposto de parada ou interrupção, de Êxtase. Sem o devido encerramento, o fim fica sem um sentimento de realização e qualidade estética que proporcione integração à atividade seguinte”. Em fluxo, no final de uma atividade a pessoa é levada à seguinte, enriquecida.

Cinco dançarinos rodopiam às nuanças da música que ouvem através de seus corpos. Fluindo, eles se entregam até que corpo e música, como duas coisas, fundem-se para se tornar uma terceira entidade: a dança. O tempo se escoa; o cenário se desfoca da dança excitada para a dança tranqüila, da resposta sólida para a resposta líquida. Através do espaço e do ritmo, sem ninguém guiando, ninguém seguindo, eles se tocam, separam-se, voltam e se fundem. No momento certo, vem o fim.

Anais Nin, dançarina e escritora, fala do fluxo no primeiro volume de seu diário. “ Eu costumava construir catedrais; catedrais de sentimentos, para o amor, o amor ao semelhante, o amor como prece, o amor como comunhão,sem um forte sentimento de continuidade, de detalhe e permanência. Construídas contra o fluxo e a mobilidade da vida, desafiando esse fluxo. Depois, com Henry Miller e sua esposa, June, e graças a análise com Rank, comecei a fluir, e não construir. Ontem, o fluxo pareceu tão fácil...deixando a vida fluir a gente pode alcançar estados de nirvana, de sonho, e bem-aventuranças de outros tipos”.

Aquele dia em que eu comprei o prendedor de pluma foi um dia em que tive a experiência de minhas catedrais fundirem-se e me transportarem para dentro do fluxo da vida, como faz a dança.”Como ele se funde bem com a cor do seu cabelo”, disse uma mulher. E eu pensei em quadros de Renoir e Klimt, nos quais a vida se funde e flui. Eu tinha me focalizado no meu prendedor castanho e mergulhado totalmente “dentro” da minha dança improvisacional de caminhar pela rua. Límpida então, eu me abri como asas, atraindo o Sol e permitindo que sua energia corresse livremente e com fluidez através das plumas e do cabelo, carregando-me completamente antes de passar a rodopios que envolviam meu espaço e me levavam a me ligar ao padrão perfeitamente fundido do movimento fluente que estava em toda parte.
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[Texto de Beverly Kalinin_é uma escritora free-lance e instrutora de dança holística na Califórnia. Este artigo é em parte extraído de seu livro de auto-ajuda, “Poder aos Dançarinos!”.]