28 de mai. de 2011

Spencer_Psicologia: A Evolução do Espírito

Os dois volumes dos Princípios de Psicologia [1873] são os mais fracos da série spenceriana.  Muito antes [1855] havia ele produzido uma vigorosa defesa do materialismo e do determinismo, obra da mocidade; os anos maduros, porém, fizeram-no trilhar mais prudentes veredas, e surgiram estas centenas de paginas penosissimas, mas que não iluminam. Aqui, mais que em qualquer outra obra, mostra-se rico de teorias e pobre de provas. Apresenta a teoria dos nervos originados do tecido intercelular conectivo; e a teoria da gênese do instinto pela mistura de reflexos e transmissão de caracteres adquiridos; e a teoria da origem das categorias mentais com base na experiência da raça; e a teoria do ‘realismo transfigurado’ [*Spencer significa com isto que embora os objetos em experiência possam muito bem ser transfigurados pela percepção, tem existência que não depende do que neles percebemos]; e cem outras que possuem todo o pode ofuscante da metafísica e pouco da virtude clarificante da psicologia experimental. Nestes volumes abandonamos a realística Inglaterra para um estagio de retorno a Kant.

O que na obra nos impressiona é que pela primeira vez na historia da psicologia encontramos um arranque resolutamente evolucionista, uma tentativa para explanações genéticas, um esforço para encaixar a estonteante complexidade do pensamento nas mais simples operações nervosas, e, finalmente, no movimento da matéria. É verdade que esse esforço falhou; mas quem não falou nesse passo? Spencer começa com um magnífico programa para o desenvolvimento dos processos donde evolveu a consciência; no fim é compelido a situar a consciência em toda a parte. Insiste na evolução continua, da nebulosa ao espírito, e por fim confessa que a matéria só é conhecida através do espírito. Talvez que os parágrafos mais significativos deste volume sejam os que a filosofia materialista é abandonada.

*Pode a oscilação da molécula ser representada na consciência lado a lado em um choque nervoso e serem ambos reconhecidos com um? Nenhum esforço nos habilita a assimilá-los. Que a unidade de sentimento nata tem de comum com a unidade de movimento torna-se mais do que manifesto quando os justapomos. E o imediato veredicto da consciência assim dado pode analiticamente justificar-se...porque é admissível a concepção de uma molécula oscilante construí-la de muitas unidades de sensação [i.é., nosso conhecimento da matéria construído de unidades do espírito – sensações, memórias, idéias]. Fossemos nós compelidos a escolher entre duas alternativas – fenômeno mental trasladado para fenômeno físico ou vice-versa, e esta ultima nos pareceria a mais aceitável.

Não obstante, há uma evolução do espírito; um desenvolvimento de modos de repercussão do simples para o complexo, do reflexo para o tropismo do instinto – através da memória e da imaginação ao intelecto e a razão. Para o leitor que atravesse vivo essas 1.400 paginas de analise fisiológica e psicológica ressalta uma poderosa intuição da continuidade da vida e do espírito; esse leitor verá, como em filme de câmera lenta, a formação dos nervos, o desenvolvimento dos reflexos adaptativo e dos instintos, e a produção da consciência e do pensamento em conseqüência do choque de impulsos contrário. “A inteligência não possui graus distintos, nem é constituída de faculdades independentes; suas mais altas manifestações são o efeito de uma complicação que se formou insensivelmente dos mais simples elementos”. Não existe hiato entre o instinto e a razão; instinto e razão constituem um ajustamento de relações internas e externas, com diferença apenas de grau; as relações a que o instinto atende são como estereotipadas e simples, e as que a razão atende são comparativamente novas e complexas. Uma ação racional é simplesmente uma replica instintiva que sobreviveu na luta com outras replicas instintivas pela situação; “deliberação” é meramente a luta entre si de impulsos rivais. No fundo, razão e instinto, espírito e vida, são um.

Vontade é um termo abstrato que damos a soma dos nossos impulsos ativos; e volição, a natural entrada em ação de uma idéia. Uma idéia é ação no seu primeiro estágio; e uma ação no ultimo estagio é idéia. Similarmente, uma emoção é o primeiro estagio de uma ação instintiva, e a expressão da emoção é o prelúdio da replica completa; o ranger dos dentes na cólera sugere o despedaçar do inimigo, que era o termo natural de semelhante começo. “Formas de pensamento”, como a percepção do espaço e do tempo, ou as noções de quantidade e causa, que Kant supunha inatas, são meros modos instintivos de penar. E os instintos são hábitos adquiridos pela raça, porém, oriundos nos indivíduos, de modo que estas categorias são hábitos mentais lentamente adquiridos no decurso da evolução que agora fazem parte da herança intelectual. Todos esses velhos enigmas da psicologia podem ser explicados pela “herança de modificações continuamente acumuladas”. Talvez sejam asserções assim categóricas que tornam estes laboriosos volumes questionáveis e talvez inúteis.

Spencer_ Biologia: A Evolução da Vida

O segundo e terceiro volumes da Filosofia Sintética apareceram em 1827 sob o titulo de Princípios da Biologia. Revelaram as naturais limitações de um filósofo que invade o campo do especialista; mas os erros de detalhes desaparecem diante das luminosas generalizações que deram nova unidade e inteligibilidade a vastas áreas do fato biológico.

Spencer começa com a famosa definição: “Via é um continuo ajustamento de relações internas e relações externas”. A vida completa depende do completo dessa correspondência e a vida perfeita depende do perfeito dessa correspondência. A correspondência não é simples adaptação passiva; o que distingue a vida é o ajustamento das relações internas em antecipação de uma mudança nas relações externas, como quando um animal se agacha para evitar um golpe ou um homem faz fogo para aquecer seu alimento. O defeito da definição jaz não somente na sua tendência para desprezar a atividade remodeladora que o organismo exerce sobre o meio ambiente, mas também no não explicar que poder sutil é esse que habita um organismo a fazer esses proféticos ajustamentos característicos da vitalidade. Em um capitulo adicionado a edições posteriores Spencer foi forçado a discutir o ‘elemento dinâmico da vida’, e a admitir que sua definição não havia apreendido a natureza da vida. “Somos obrigados a confessar que a Vida em sua essência não pode ser concebida em termos físico-químicos”. O filosofo não calculou como essa admissão iria ser prejudicial para a unidade do seu sistema.

Assim como Spencer vê na vida do individuo um ajustamento de relações internas e externas, assim também vê na vida das espécies um notável ajustamento da fertilidade reprodutiva as condições do habitat. A reprodução surge originalmente como uma readaptação da superfície nutritiva a massa nutrida; o crescimento da ameba, por exemplo, envolve um aumento da massa muito mais rápido que o aumento da superfície através da qual a massa recebe sua nutrição. Divisão, abotoamento, formação de esporos e reprodução sexual tem isto de comum, que a proporção da massa para a superfície se reduz e o equilíbrio nutritivo se restaura. Daí o crescimento do organismo individual ser perigoso além de um certo limite; e daí o crescimento normal ceder o passo, depois de certo tempo, a reprodução.

Na media o crescimento varia inversamente proporcional ao gasto de energia; e a reprodução varia inversamente proporcional ao grau de crescimento. “E é sabido pelos criadores que se uma égua reproduzir em sua fase de potranca nunca atingirá o crescimento normal...Ao contrário, animais castrados, capões e principalmente gatos, freqüentemente se tornam maiores que os normais não mutilados”. A relação da reprodução tende a cair a medida do desenvolvimento do progresso individual. “Quando por fraqueza de organização a capacidade de enfrentar perigos externos é menor, torna-se necessária uma grande fecundidade para compensar a mortalidade conseqüente; de outro modo a raça depereceria. Quando, ao invés, altas faculdades proporcionam maior capacidade de preservação, uma baixa correspondência na fecundidade é requerida”. Para que o passo da multiplicação não exceda as possibilidades de alimento. Em geral, pois, existe uma oposição de individuação e gênese, ou de desenvolvimento individual e fecundidade. A regra opera nos grupos e espécies com mais regularidade do que nos indivíduos; quanto mais altamente desenvolvido o grupo ou a espécie, mais baixo será o índice de natalidade. Mas também funciona para a media dos indivíduos. Por exemplo, o desenvolvimento intelectual parece hostil a fecundidade. “Onde excepcional fecundidade existe, existe também frouxidão de espírito; e quando, durante a educação, ocorre excessivo dispêndio de energia mental, segue-se uma completa ou parcial infecundidade. Daí o especial tipo de evolução do homem daqui para diante, e que, mais que qualquer outra causa, poderá trazer declínio ao seu poder de reprodução”. Os filósofos são notoriamente de fraca prole. Na mulher, por outro lado, o advento da maternidade traz diminuição da atividade intelectual; e talvez sua mais breve adolescência seja devida ao sacrifício precoce à reprodução.

A despeito desta adaptação do índice de nascimento as necessidades da sobrevivência do grupo, a adaptação nunca é completa e Malthus tinha razão no seu principio geral de que a população do globo tende a sobre-exercer os meios de subsistência. “Desde os começos esta pressão de densidade da população tem sido a causa próxima do progresso. Produziu de começo a difusão das raças. Compeliu o homem a abandonar os hábitos predatórios e a fazer Levou-o a arrotear toda a superfície da terra. Forçou-o a vida em sociedade e desenvolveu os sentimentos sociais. Estimulou o melhoramento progressivo da produção e aumentou a habilidade e a inteligência. É a causa principal da luta pela vida por meio da qual os mais aptos sobrevivem elevando assim o nível da espécie.

Se o domínio dos mais aptos é devido principalmente a variações espontâneas favoráveis ou a uma parcial herança de caracteres, ou de capacidades adquiridas repetidamente por sucessivas gerações, é ponto sobre que Spencer não dogmatizou; aceitava alegremente a teoria de Darwin, mas sentia que certos fatos ficavam inexplicados e compeliam a uma aceitação das vistas de Lamarck modificadas. Spencer defendeu Lamarck vigorosamente na sua controvérsia com Weismann, e apontou certos defeitos da teoria de Darwin. Naqueles dias estava Spencer quase que só ao lado de Lamarck; e é de notar que entre os neolamarckeanos de  hoje se incluem descendentes de Darwin, ao passo que os maiores biologistas ingleses opinam que a teoria particular de Darwin sobre a evolução [não a teoria geral] deve ser abandonada [*Comunicação de Sir Win. Bateson a América Association for the Advancemente of Science_Toronto, dezembro, 1921].